A verdade sobre o Governo e o BES

Na passada semana escrevi sobre a influência dos sucessivos governos em negócios privados. A propósito do BES e da nomeação de Vítor Bento, Mota Pinto e Moreira Rato, fiz um paralelismo com o papel socialista na mudança de poder no BCP e não esqueci episódios com Mário Soares e António Guterres ou a amizade de…

Volto ao tema por ter tido acesso a informações que contradizem uma parte importante do texto anterior. Não me sentiria de bem com a minha consciência se passasse ao lado. E estou à vontade pois, como sublinhei, apesar de reconhecer no primeiro-ministro coragem e méritos políticos, pouco me aproxima ideologicamente do seu executivo. 

A verdade é que Pedro Passos Coelho e a sua ministra das Finanças não sabiam do convite do Governador do Banco de Portugal a Mota Pinto e Vítor Bento. Podemos especular do instinto político de Carlos Costa, da vontade de encontrar uma solução que satisfizesse o mercado, os accionistas do BES, o Governo e a opinião pública e publicada, mas quanto ao resto faço mea culpa.

Sei por fontes bastante seguras que o primeiro-ministro foi informado da nomeação de Vítor Bento pelo próprio. O antigo presidente da SIBS terá ficado surpreendido pelo desconhecimento de Passos Coelho, momento que presumo tenha sido de algum embaraço pela publicitação, nunca desmentida, de que o gestor recusara ser ministro das Finanças. O líder do Governo passou do embaraço à aprovação e Bento aproveitou para o informar que tencionava ‘roubar-lhe’ João Moreira Rato, presidente do IGCF, pois parecia-lhe, por bem o conhecer, ser uma peça decisiva para o ajudar a salvar o Banco Espírito Santo.
Depois, uma meia surpresa. Os rumores de que Paulo Mota Pinto, deputado do PSD, ao que se sabe próximo de Ricardo Salgado e com um perfil de seriedade, o que nestes tempos não é coisa pouca, faria parte da equipa tinham-se mesmo concretizado: aceitara ser presidente não executivo da administração liderada por Vítor Bento. Paulo informou o primeiro-ministro que, não o tentando demover, confessou-lhe que, na sua opinião, ter aceite o convite era um erro, como amigo nunca o aconselharia a fazê-lo. Não sei se por não ter qualquer experiência de banca, se pela amizade com a família (óbvia bomba que lhe pode explodir nas mãos) ou por outro motivo qualquer.

Esta é a verdade à superfície, não a Verdade de que ainda pouco se sabe. O Governo não interferiu directamente na escolha da equipa, a responsabilidade pertenceu por inteiro ao Governador do Banco de Portugal. Escrevo ‘directamente’ pois Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque recusaram os planos da família Espírito Santo para utilizar a Caixa Geral de Depósitos como instrumento de uma recapitalização que ajudaria a salvar a honra do convento, um financiamento do Estado que mascararia a falência e que, a prazo, permitiria, quem sabe, um regresso em força da família. Porém, o primeiro-ministro não permitiu que a velha frase de Lampedusa, escrita n’O Leopardo, extraordinário romance acerca da decadência da aristocracia na Sicília – «Tudo deve mudar para que tudo fique como está» – pudesse ser levada à prática. Fez bem.

A família Espírito Santo está falida e existem muitos interesses contraditórios. Ricardo Salgado e a sua nomenclatura esperam que mais nada possa sair para fora; por motivos diferentes colocar-se-á de novo a hipótese de um exílio, na melhor das hipóteses o futuro passará por aí, na pior veremos. Pedro Passos Coelho não deseja que o desmoronamento do que antes parecia eterno contamine ainda mais a economia portuguesa, as perdas do BES podem atingir dois astronómicos pontos do PIB, uma catástrofe. Espera que o banco se credibilize para que, em última hipótese, o Estado não tenha de pagar o desastre da gestão de Ricardo Salgado, o tal fundo de recapitalização que é o recurso derradeiro para que não se corra o risco de tudo à volta ruir. Carlos Costa e Vítor Bento pretendem equilibrar o que há para equilibrar e criar as condições mínimas para que o BES possa ser comprado por quem aceite arcar com as imparidades.

Ninguém sairá a ganhar.
Mas talvez por entre os escombros se possa vislumbrar uma nova realidade onde o velho poder, tutelar numa parte substancial dos últimos 100 anos em Portugal, possa ser substituído por uma nova forma de gerir o dinheiro, o poder, a relação do mundo financeiro com o Estado e tudo o resto.
Wishful thinking, claro. Desejos tomados por realidade porque esta é caprichosa e tem sempre novas surpresas na manga. Veremos que monstros e querubins nos surgem nas próximas estradas e, mais importante do que tudo, esperemos que essa estrada não acabe com uma portagem onde tenhamos de pagar outra vez pelos desvarios privados. l