A Bela Caminha

Quando passo ou vou a Caminha invade-me sempre uma mesma sensação de descoberta e de espanto face a tão enorme beleza. E nada importa o facto de o cenário da vila me ser familiar ou de os meus passos a terem já cruzado centenas de vezes: é sempre um alvoroço quando surge o vasto espelho…

Mesmo que o destino não seja Caminha, dá logo vontade de virar para o interior do casario que se estende entre o Minho e o Coura, e percorrer aquelas ruas estranhamente rectilínias do vetusto burgo. 
 O terreiro, centro da vila quinhentista, está agora – numa impressão de cosmopolitismo veraneante – ocupado por esplanadas e guarda-sóis, que circundam o sublime chafariz renascença de João Lopes o Velho, com a sua decoração repleta de figuras fantásticas e monstruosas. 

Aí assoma, a norte da praça, a imponente e majestosa Torre do Relógio, com o seu formato quadrado maciço. Era a antiga entrada principal da primitiva vila muralhada do século XIII, chamada Porta de Viana por dar acesso à estrada para Viana do Castelo, e a única que resta das três portas medievas: as outras duas, do Sol e do Mar, eram portas de serventia ao rio, ao cais e aos estaleiros. 
 Esta original póvoa piscatória de Caminha, mandada construir de raiz por D. Afonso III, obedecia a uma racionalidade de propósitos que fazia com que, no interior das muralhas de perímetro oval, comum na arquitectura gótica da época, as ruas não apresentassem o característico desenvolvimento sinuoso, antes surgissem geométricas e disciplinadas, a exemplo das fortificações militares. 

Por isso dizem que, em Caminha, as ruas precederam as casas… E a principal era essa Rua Direita, que ia da Porta de Viana até às traseiras da Igreja Matriz, dividindo o burgo em duas partes idênticas e organizando o seu espaço comercial e administrativo; essa mesma rua que surge após a Torre do Relógio (que ganhou este nome quando, em 1673, aí foi colocado o primeiro relógio da vila) e onde se encontra um notável conjunto de arquitectura civil seiscentista, de oito casas renascentistas e manuelinas. 
Já do século XVII são as muralhas onde atualmente a Rua Direita se finda, mandadas construir por D. João IV na sequência das guerras da Restauração – que se apresentam hoje num bonito enquadramento ajardinado face ao rio. 

Mas, antes, fica a cenográfica Igreja Matriz, com construção iniciada em 1488, que marca a mudança do tardo-gótico para o renascimento erudito, com destaque para a Capela dos Mareantes, em estilo manuelino de transição, e para o portal lateral Sul, já vincadamente marcado pelo renascimento. 
Durante anos pensei que Pêro Vaz de Caminha, o relator do achamento do Brasil, fora aqui baptizado – e sempre percorri estas ruas medievais embalado pelo sentimento de palmilhar os mesmos empedrados por onde o escrivão andara. Infelizmente, um dia fiquei a saber que Vaz de Caminha nasceu no Porto e que não tinha qualquer ligação à vila minhota!