A hegemonia do dólar

O banco francês BNP Paribas aceitou pagar uma gigantesca multa de nove mil milhões de dólares às autoridades dos Estados Unidos, por ter furado as sanções americanas ao Sudão, Irão e Cuba. Durante o ano de 2015 o BNP Paribas não poderá fazer transacções em dólares.  

Este banco não violou nenhuma lei francesa, sendo penalizado pelos EUA porque as operações em causa foram realizadas em dólares. A mesma tendência para aplicar a lei norte-americana fora do território dos EUA se verifica na intervenção – e nas multas – das suas autoridades em bancos no estrangeiro (na Suíça, nomeadamente) para combater a evasão fiscal de empresas e cidadãos americanos. Os EUA estão a usar cada vez mais a ‘hegemonia do dólar’ como meio de pressão sobre entidades não americanas, bancos sobretudo.  

Há décadas que a França se queixa do poder dominante do dólar. Sarkozy, o anterior Presidente francês, contestou o papel da divisa americana como moeda de reserva, mas teve que recuar. Também a China e a Rússia gostariam de se libertar da hegemonia do dólar, divisa em que hoje estão 61% das reservas dos bancos centrais do mundo, contra menos de 25% em euros.  

Só que a China, por exemplo, não pode colocar em perigo as enormes reservas que acumulou em dólares, para travar a valorização da sua moeda, que tornaria menos competitivas as exportações chinesas. A mudança do sistema monetário internacional não se concretizará tão cedo.

Os países emergentes – China, Índia, Brasil, Rússia – abrandaram o seu crescimento económico. Mas já têm um considerável peso na economia mundial, que ainda não se traduziu, como devia, na influência desses países em organismos internacionais como o FMI (onde a China tem menos votos do que as nações do Benelux). O Congresso americano tem-se oposto a corrigir esta situação.

Como o Sol noticiou há duas semanas, o Brasil, a Rússia, a China, a Índia e a África do Sul criaram dois novos organismos financeiros. Não é seguro que países com interesses tão diferentes consigam entender-se na gestão de um banco de desenvolvimento para financiar infra-estruturas e outros projectos, com um capital de 50 mil milhões de dólares; e de um fundo de reserva de 100 mil milhões de dólares, para acudir a eventuais crises de balança de pagamentos.

São montantes relativamente modestos para a ambição de prescindir dos organismos internacionais dominados pelos os EUA, como o FMI e o Banco Mundial. Este último só no ano passado concedeu apoios no valor global de 53 mil milhões dólares. O brasileiro BNDES (um ‘banco de fomento’) desembolsou 88 mil milhões de dólares em 2013 e o seu equivalente chinês concedeu 240 mil milhões de dólares.  

O sistema de Bretton Woods, criado  perto do fim da II Guerra Mundial, foi profundamente alterado em 1971, quando o então Presidente Nixon cortou a ligação do dólar ao ouro. O regime de câmbios fixos, com modificações apenas de longe em longe e com aprovação do FMI, foi então substituído pelos câmbios flutuantes, com maior ou menor intervenção dos bancos centrais. 

Mas persistem instituições criadas em Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial, que continuam muito influenciadas por Washington e, em menor grau, por países europeus. Estas instituições internacionais tardam em adaptar-se às novas realidades económicas globais.