João Semedo: ‘Costa prepara um Governo com PSD e um pacto de regime com Rio’

Confessa que lhe perguntam se Louçã manda e se o partido vai acabar. Mas Semedo diz-se determinado a lutar pela recuperação do BE. Não lhe falem é em governo com o PS.

Foi suficiente a reacção da coordenação do BE à saída do Fórum Manifesto?

Sim, fizemos declarações e eu dei uma entrevista. Mas o BE, 15 anos depois da fundação, não está dependente, nem refém, da saída seja de quem for ou de qualquer corrente. O BE é um partido e um projecto suficientemente enraizado para resistir a isso.

Ana Drago é muita crítica da recusa do BE a uma aliança com o PS. Porquê afastar essa aliança com o PS a este tempo das legislativas?

Acho que quem tem a expectativa de uma viragem à esquerda da política portuguesa, comete um erro ao pensar que o centro desta alternativa está no PS. Estrategicamente é um erro considerar-se que o mal menor, este PS, pode ser a ruptura que a política portuguesa precisa. Ana Drago, Daniel Oliveira, um grupo de homens e de mulheres que alimentam a expectativa de um acordo político de governo ou de governação com o PS, correm atrás de uma ilusão que a esquerda vai pagar caro.

O Fórum Manifesto e o Livre vão entender-se na formação de uma plataforma? Vão agregar movimentos à sua volta? 

Acho que vai dar pelo menos isso: atomização e pulverização da esquerda. E isso não é bom para a esquerda. A esquerda precisa, neste momento, de acumular forças que lhe dêem a força suficiente para ser a força alternativa exactamente ao PS. E o BE é a única experiência bem sucedida de agregação de forças à esquerda.

Se o PS formar governo com estes movimentos à esquerda depois das eleições de 2015, isso não leva o eleitorado a questionar a razão de existir do BE?

Podemos fazer todos os cenários, mas olhando às últimas e mais recentes notícias, o que António Costa está a preparar é um governo com o PSD e um pacto de regime com Rui Rio. É isso que eu sei. Até por essa razão, a hipótese de a esquerda ser bem sucedida na discussão de um acordo político de governo ou de governação com o PS parece-me bastante frágil. Ana Drago e Daniel Oliveira falam muito em salvar o Estado Social. Eu hoje não sei se o fundador do SNS, que toda a gente sabe que é um destacadíssimo socialista, conseguiria ser ministro da Saúde de um governo do PS. 

Mas o BE não tem mais medo de perder a sua identidade de esquerda do que influenciar a vida dos portugueses? 

Perderíamos a nossa identidade de fossemos para um governo simulando que estamos a fazer uma política de esquerda. Ninguém acreditaria no BE uns meses depois. 

O João Semedo será candidato a líder na próxima convenção?

Eu e a Catarina Martins temos disponibilidade para continuar, seja essa a vontade maioritária dos militantes do BE.

O vosso mandato foi marcado por vários factos negativos – dos resultados eleitorais ao abandono de duas tendências – a Ruptura-FER e a Fórum Manifesto. O que vê de mais positivo no vosso mandato?

Antes do mais, não gostaria de confundir as saídas de uns e de outros.

Sentiu menos a saída de Gil Garcia do que a de Ana Drago e Daniel Oliveira?

Seguramente que sim. Na saída de Ana Drago e Daniel Oliveira só há um motivo que eu valorizo muito: é que eu acho que eles não têm razão. Eles saíram mas a razão ficou no Bloco. Mas esta avaliação não tem nada a ver com as pessoas. Noutros casos, os percursos há muito que eram divergentes. 

Quanto aos sucessos da vossa liderança?

Há a vitória da coligação anti-Jardim no Funchal, os recursos ao TC que travaram os cortes de pensões e salários, a participação do Bloco e dos seus activistas em diversas acções anti-Governo, como as aulas magnas, o congresso das alternativas e nas grandes manifestações do movimento Que Se Lixe a Troika.

Não seria de esperar que, com a direita a governar, em austeridade, o BE beneficiasse com isso?

Curiosamente, a violência social com a que direita tem governado tem tornado difícil a afirmação das nossas posições. Vivemos um tempo político adverso. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o desemprego e a pobreza não são a melhor sementeira para a esquerda. Porque o desemprego e a pobreza geram exclusão social e quem está excluído socialmente também se exclui politicamente.

Hoje a incapacidade de o BE captar eleitores não resulta de ser visto como um segundo partido de protesto?

O BE não é só partido de protesto, existe para disputar o poder. Mas não é para estar no poder, é para provocar uma mudança enorme que é necessária em Portugal e na Europa. E a política do PS não é essa mudança.

Mas diz-se que o BE se transformou num segundo PCP. E para isso não é preciso o BE, há o original…

Tenho ouvido muitas vezes essa crítica. Que resulta de ser crescente na oposição o número de convergências entre o BE o e PCP. No Parlamento, todos os dias isso acontece. E eu acho que isso é bom para a esquerda, não impedindo que se vejam as diferenças entre um projecto e o outro. 

O BE o PCP partilham eleitorado.

Não tenho ideia disso. O BE, quando disputa eleições, nunca olha para o PCP como um concorrente. Nem nunca o fará. O que procurámos é deslocar para a esquerda eleitores que estão mais no centro. É esse o nosso target.

Como reage quando comparam a nova profusão de partidos à esquerda com o desagregamento sectário a seguir ao 25 de Abril?

Há diferenças. O sectarismo dessa época, que se construiu ao longo da história de luta contra o fascismo, hoje já não existe. Agora há que pensar se essa ilusão de ver o PS como um mal menor que pode contribuir para virar à esquerda o país justifica o actual enfraquecimento, a atomização, a desagregação, a pulverização da esquerda. E não se combate nem um futuro Bloco Central, nem uma maioria absoluta do PS, entendendo-nos com o PS pelos mínimos, que nem são mínimos de esquerda.

A nova esquerda não consegue influenciar o PS?

Não. É o PS que arrasta essa esquerda. É uma ilusão pensar que é essa esquerda que vai arrastar o PS. Os partidos não se movimentam pelas boas intenções dos outros, movem-se pela relação de forças que existe entre eles. Veja-se também a História: a Plataforma de Esquerda entrou para o PS com a intenção de o transformar e o PS nem abanou. O MES dissolveu-se todo com a convicção que ia mudar o PS e o PS continuou onde estava. Acho extraordinário esta pulsão de divisão para se aproximar de um projecto político que de esquerda tem muito pouco. 

Nesta altura de crise no BE, os pais-fundadores, como Louçã, Fazenda ou Rosas podem ter um novo papel a desempenhar?

O BE só tem a beneficiar com a sua intervenção. Mas o BE fez uma mudança de geração e não faz sentido que dê um passo atrás, mudando o paradigma da sua direcção.

A verdade é que continua a falar-se num regresso de Louçã e na influência que ele ainda tem no partido.

O Francisco é uma grande figura da política portuguesa. Ele não tem uma grande actividade partidária, mas tem uma grande intervenção política, até porque a sua carreira académica faz fronteira com a política, é muito solicitado nos jornais e na televisão, e tem-se ocupado com outros economistas no tratamento da questão da dívida. Muita gente me pergunta: 'É o Francisco que manda no Bloco?' Acho que é curioso referir, porque não se verifica com muitos outros ex-líderes partidários, é que a intervenção do Francisco em nada contraria a actuação da direcção do BE. E não nos condiciona em nada. 

Para si é indiferente Seguro ou Costa serem os líderes do PS?

Não. Para o PS é que vai ser indiferente. António Costa tem deliberadamente tentado esconder o que vai fazer naquilo que é essencial, se vier a ser primeiro-ministro. A sua agenda para a década serve para esconder o que fará no primeiro dia em que for primeiro-ministro. Como paga a dívida e como vai encarar o tratado orçamental? O que faz com o salário mínimo nacional, com a economia? É isso que ele esconde com a sua agenda para a década.

O BE acredita que fará parte de um Governo em 2015?

Andamos cá para isso. E é por andarmos cá para isso que tantos querem que a gente se esfarele. Muita gente me pergunta: 'O BE vai acabar?' Algumas dessas pessoas não estão preocupadas, estão a desejar. O BE cresceu tanto que se tornou um problema para alguns sectores. Claro que estou preocupado, que vivemos tempos difíceis. Mas há uma coisa que também tem de se dizer: é que as pessoas também se habituaram a ver no BE alguma coisa que lhes fará diferença se o BE deixar de existir. Dou alguns exemplos. Quando vemos tantas mulheres na AR, isso tem o dedo do BE. Quando olhamos para os toxicodependentes que deixaram de ser meliantes para serem doentes, isso tem o dedo do BE. A condenação na sociedade com o trabalho precário, isso tem o dedo do BE. Isso é um património que nos enraíza na sociedade portuguesa. Por isso acho manifestamente exagerado que anunciem o nosso precipício.

manuel.a.magalhaes@sol.pt

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