O lugarzinho

A telenovela em torno da escolha do comissário europeu de Portugal foi mais um episódio pouco edificante, desses que levam o comum dos mortais a desprezar a política – e, o que é pior, a perder qualquer interesse por ela. 

Jean-Claude Juncker, o novo presidente da Comissão Europeia, insistira com Passos Coelho em que seleccionasse uma mulher. 

Vários órgãos de comunicação social disseram que a eleita – não sabemos se de Passos, de Juncker ou de ambos – seria a ministra das Finanças, mas que, para dispensar Maria Luís Albuquerque, o primeiro-ministro teria exigido ao presidente da Comissão a garantia de que lhe seria atribuída uma pasta «de topo», garantia essa que Juncker não teria dado. 

Começa por parecer estranho que os comissários dos 28 países membros sejam escolhidos independentemente das pastas, que serão posteriormente distribuídas pelo presidente, sendo depois a Comissão sujeita a votação no Parlamento Europeu. Qualquer um serve para qualquer coisa? A especialização não é uma componente indispensável da competência? 

Por outro lado, este jogo de pressão (’dou-te-a-minha-preciosa-ministra-se-lhe-deres-a promoção-que-o-seu-cargo-exige’), só instiga nos cidadãos uma descrença melancólica na nobreza da acção política. Terá existido este jogo? Foi noticiado  – e isso é mau. 

A ideia do combate pelo ‘lugar  de topo’ tem sempre qualquer coisa de confrangedor – sobretudo quando se perde. 

Acresce que os portugueses estão já suficientemente traumatizados pelo súbito abandono de sucessivos governantes. 

Um país habituado a ver os seus líderes como pais simultaneamente castigadores e providenciais – o grande feito do ditador Salazar foi moldar desta forma o inconsciente nacional – reage mal à fuga daqueles que o governam para as doces paisagens dos organismos internacionais.

Gostem ou não dos seus representantes (em geral gostam muito, antes de os elegerem, depois começam a detestá-los), sentem-se órfãos quando eles se vão embora. Talvez também por inveja, esse vírus capitalista que pegou em Portugal desde os alvores da Idade Média. Assim, a partida da ministra das Finanças, sobretudo numa época em que nos apresentam as finanças como essência da identidade colectiva, seria grave. Gaspar, parte II.        

Mas mais grave ainda é que o primeiro-ministro não tenha conseguido apresentar um candidato do sexo feminino. A paridade não é uma figura de estilo; as mentalidades mudam-se pelo exemplo, e a discriminação de metade da população não é aceitável.

Deputadas europeias com conh cimento dos dossiês, competência e prestígio não faltam a Portugal.

Disse-se que Maria João Rodr gues estaria particularmente bem posicionada: é há muitos anos conselheira especial do presidente da Comissão Europeia. Mas Ana Gomes, Edite Estrela, Elisa Ferreira ou Maria da Graça Carvalho reuniriam também condições para assegurar uma pasta de relevo – todas elas foram justamente distinguidas pelo seu trabalho no Parlamento Europeu, embora pouco eco se tenha dado disso em Portugal.

O primeiro- ministro preferiu, não apenas a partidarite (caso em que poderia ter escolhido a social-democrata Graça Carvalho), mas a mais patética das clubites: o circuitinho fechadito dos seus rapazes. Estas duas pragas históricas continuam a enfraquecer Portugal. 
inespedrosa.sol@gmail.com