Catalunha– o caso Pujol

Às vezes, na História, um acontecimento privado, um ‘factor humano’, muda muita coisa, e pode bem ser que a História da Europa, da Península e da Espanha tenham mudado com o escândalo que rebentou no dia 25 de Julho e atingiu Jordi Pujol e a sua família.    

Homem de centro-direita, católico e anti-franquista, Pujol governou durante 23 anos a Catalunha. E, nesse tempo, foi preparando silenciosa e discretamente a máquina político-administrativa e as condições culturais e económico-financeiras para a independência.

Fê-lo com teimosia e discrição, sempre no quadro da lei e da prudência. Enquanto os bascos, com a ETA, protagonizaram um nacionalismo separatista armado e violento, que causou centenas de mortos, os catalães seguiram o caminho da longa marcha pacífica, política, baseada no reforço da identidade linguístico-cultural, instituindo o catalão como língua veicular.    

Tudo isto foi arquitectado e movido por Jordi Pujol. As suas inspirações intelectuais eram diversas: nos tempos de prisão leu Charles Péguy, mas também o nacionalista activista Raimon Gali. Oscilando entre um personalismo cristão e um populismo agressivo, conquistou a hegemonia para o seu partido, a Convergência e Unidade da Catalunha (CiU), nas primeiras décadas da monarquia constitucional. 

A descoberta de que o patriarca do nacionalismo catalão e chefe de família católica e numerosa possuía, com os filhos, um património de dezenas de milhões de euros em bancos estrangeiros – nomeadamente em Andorra e na Suíça –, que grande parte destes dinheiros era o fruto de comissões de corrupção e favorecimento cobrados a troco de favores a empresas e empresários, e ainda que prejudicara uma irmã na herança paterna, caiu como uma bomba sobre a Catalunha, o projecto independentista e o partido. Atingiu também, colateralmente, o actual sucessor e líder da CiU, Artur Mas – não por suspeita de corrupção, mas por ser ele o herdeiro entronizado pelos Pujol.

Mas a maior vítima é mesmo capaz de ser a independência catalã. Com efeito, um dos slogans fortes da campanha separatista era ‘A Espanha rouba-nos’. Ao mesmo tempo, sublinhava-se e exaltava-se a natureza íntegra, trabalhadora e activa dos catalães e da sólida burguesia de onde saíam os dirigentes da CiU.

Tudo isso arrasta agora graves riscos conjunturais. A indignação popular contra Pujol é grande, com uma enorme maioria a querer que o velho político responda criminalmente pelos seus actos. E se bem que entre os mais indignados estejam os independentistas radicais da ERC – Esquerda Republicana da Catalunha –, a verdade é que, a três meses da consulta aos catalães e partindo de uma situação de empate técnico, será difícil que o campo independentista consiga dar a volta e limpar a nódoa que caiu sobre a personagem e a família que encarnavam a causa.