Os tiros de Pistorius

Há cerca de 2.500 anos, os sofistas, uma corrente de educadores cultos mas algo superficiais, foram encarados com desconfiança pelos seus contemporâneos gregos. Estes apontavam-lhes dois ‘pecados’: receberem dinheiro em troca dos seus serviços e estarem dispostos a defender uma coisa ou o seu contrário, consoante quem lhes pagasse. 

Na época dizia-se que estes pensadores – que deram origem ao adjectivo ‘sofisticado’ – estavam dispostos a «fazer prevalecer a causa pior sobre a melhor». Em Latim, sophisticare significa «enganar, falsificar, corromper» (segundo o Ciberdúvidas).

Para mim, é difícil evocar os sofistas da Grécia Antiga sem fazer o paralelismo com os advogados dos dias de hoje. Claro que têm de representar os seus clientes o melhor que sabem, mas nem por isso deixa de me fazer confusão que possam ludibriar a justiça e não hesitem recorrer a todo o tipo de estratégias mais ou menos obscuras para ilibar pessoas que sabem ser culpadas.

Vem isto a propósito do julgamento do atleta sul-africano Oscar Pistorius. No dia 14 de Fevereiro de 2013, os meios de comunicação de todo o mundo noticiaram que durante a madrugada Pistorius tinha morto a sua namorada, a modelo Reeva Steenkamp, na casa onde ambos viviam. Não havia mais ninguém em casa, por isso só Pistorius podia ser o culpado.

Quando eu pensava que o caso estava encerrado, que não havia fuga possível, a defesa começou a introduzir certas subtilezas de que só os advogados se lembram, os tais argumentos ‘sofisticados’: houve vizinhos que não ouviram gritos, o que contrariava a hipótese de uma discussão; o atleta sofria de stresse pós-traumático, daí a sua reacção impulsiva; os registos das chamadas telefónicas não batiam certo; o atleta podia não ter dado pela falta da namorada na cama.
Ouvi dizer que, no último dia, a defesa tentou convencer a juíza de que Pistorius não era culpado de homicídio. Parece-me, pelo contrário, que a estratégia terá sido sempre outra: semear a dúvida, minar as certezas, abalar a versão mais provável dos factos.

Existe uma boa expressão em vernáculo para isso: ‘atirar-nos areia para os olhos’. Mas mesmo que a defesa tivesse razão, que pessoa dispara para uma porta fechada porque ouviu ruído, mas não se dá ao trabalho de perguntar quem está do outro lado? 

jose.c.saraiva@sol.pt