Ver Braga Por Um Canudo

Sempre me intrigou quando o meu avô se saía com a expressão «ficaste a ver Braga por um canudo» ou «ficou a ver Braga por um canudo» ao querer referir-se a uma acção encetada que por pouco não atingira os seus objectivos, numa espécie de equivalente ao popular «morrer na praia».

É claro que não era essa equivalência, esse quase conseguir, que me intrigava, mas a forma como a frustração era expressa – se «morrer na praia» dava conta, na sua totalidade, desse exaurir final que impedia que algo se concretizasse apesar de todos os esforços, de todas as expectativas e de tudo estar bem encaminhado para um fim feliz, já «ficar a ver Braga por um canudo» tinha outras ressonâncias que não se prendiam com este baque inesperado que deitava tudo a perder e do qual a frustração resultante mal se apercebia no colorido do enunciado. 

Aliás, esse sentido negativo só ganhou peso com a utilização reiterada da expressão para significar tal fim inesperado e frustrante, de tal maneira não emana imediata e inequivocamente dela… Se não, vejamos: o canudo referido é o monóculo que, no início do séc. XX, foi colocado no beiral virado a poente e imediatamente sobranceiro ao ascensor do Santuário do Bom Jesus do Monte, com larga visão sobre o vale por onde se estende a cidade de Braga. Dada a sua localização privilegiada, este monóculo, baptizado ‘canudo’ pela voz popular, permite ver os pormenores da cidade como se pelas suas ruas andássemos e «ver Braga por um canudo» ganhou assim essa dimensão de falsa presença que, com a sua impossibilidade de toque, de cheiro ou de sabor, pode incutir a frustração própria da locução «morrer na praia», mas que está longe de ser o sentimento preponderante que imediatamente resulta de tal experiência.

Pelo contrário, ver Braga por um canudo era um desejo em si, plenamente satisfeito com o acto que o monóculo propiciava, e que noutros tempos atraía multidões ao Santuário – portanto, era algo nos antípodas do expresso pelo consagrado «morrer na praia». Intriga-me assim este deslizar semântico que fez com que no imaginário bracarense o «ver Braga por um canudo» passasse a ter um sentido análogo ao do «morrer na praia»… Como se o acto de espreitar pelo monóculo impedisse ao forasteiro uma qualquer outra imersão na urbe, mais física e completa, ou como se houvesse o receio de que esse visionar da cidade através das lentes do telescópio convencesse alguém que tinha conhecido Braga em toda a sua plenitude.

E intriga-me saber quando é que essa transfiguração terá acontecido, tanto mais que a origem da expressão é forçosamente recente, como relativamente recente é a existência do monóculo no Bom Jesus do Monte.
Seja como for, a expressão pegou, com o seu conteúdo enviesado, e o canudo lá está, depois de mais de uma década de ausência para reparação, a propiciar essa prática singular de mergulhar nos detalhes da urbe através do olhar aguçado do centenário telescópio.