A psicologia do poder

Tomei conhecimento da síndrome de Hubris quando há uns anos li o magnífico Na doença e no poder: os problemas de saúde dos grandes estadistas nos últimos cem anos, escrito por David Owen, neurologista e político, ministro dos Negócios Estrangeiros do RU e fundador do Partido Social-democrata. 

Esta síndrome traduz-se num conjunto de comportamentos que popularmente se podem descrever por presunção: exagerada auto-confiança, desprezo pelas opiniões alheias e progressivo afastamento da realidade. Em suma, segundo Lorde Owen, a Tony Blair durante a invasão do Iraque. Noutros casos, serão outros tipos de doença ( ou os seus tratamentos) que condicionam a tomada de decisão política pelos líderes e, assim, o destino das nações. Mas foram aqueles problemas do foro psicológico, em que, claramente, a causalidade vai do exercício do poder no sentido do comportamento individual (e não inversamente) que me marcaram e vieram à memória a propósito da crise do GES.

Existe um ramo de estudos em psicologia que procura testar experimentalmente os efeitos do poder em múltiplos aspectos do comportamento individual. Concluem, por exemplo, que os ‘poderosos’ tendem a condenar, hipocritamente, o comportamento dos outros com maior rigor do que o seu próprio. Ou, quando apanhados numa transgressão, os ‘poderosos’ tendem a revelar poucos sinais de contrição. 

Mas, para mim nada é tão sugestivo do sentimento de ter ‘direitos adquiridos’, de ser uma ‘pessoa especial’, que está associado ao poder, como a singela experiência que passo a descrever. Três indivíduos do mesmo sexo discutem um assunto complexo, algo maçador mas de grande relevância social ou política – por exemplo, a revisão constitucional.  A um deles é aleatoriamente atribuído o poder da avaliar a qualidade das contribuições dos outros dois. Passada meia-hora, uma assistente coloca em cima  da mesa um prato com cinco bolinhos. O objecto da experiência é verificar como os três indivíduos se apropriam dos cinco bolos. Na maior parte dos casos a repartição é esta: cada um tira um bolinho ( sobrando dois), o indivíduo com ‘poder’ tira o quarto e o quinto fica no prato. Ou seja, ter poder (ainda que pífio, como no exemplo) confere uma sensação de direitos especiais sobre a apropriação de bens e recursos colocados à disposição de todos.

A regulação do sistema financeiro tem dois braços, o prudencial e o comportamental. Tenho para mim que o segundo beneficiaria se tivesse em conta estes ensinamentos, percebendo que as pessoas com poder não pensam nem reagem a incentivos com a racionalidade do comum dos mortais.