O regresso ao castelo

Tendo lá estado nessa altura, agora sinto algo de místico ao pensar que regresso àquele local como organizador de um festival, tal como se fosse o fechar do círculo da vida”. As palavras são de Ilídio Chaves, também conhecido como DJ Expander, fundador da Soniculture e mentor do novo Festival Forte. Na década de 90,…

Foi em 1991 que começaram a surgir em Portugal as primeiras festas de música de dança, em muito influenciadas pelas raves inglesas. Um ano depois era lançada a Kaos, a primeira editora portuguesa voltada para a música electrónica, e em 1993, o castelo de Montemor-o-Velho recebia a sua primeira rave. Quatro anos mais tarde acontece ali a épica segunda edição da Tecnolândia, abençoada por uma chuvada que obrigou a cobrir as mesas de som, mas que não fez ninguém arredar pé.

Enquanto em Inglaterra o movimento começava a desaparecer, em Portugal atingia o seu auge. E, de repente, este pequeno país era capa da revista especializada Muzik. “A paradise called Portugal”, podia ler-se, em alusão, sobretudo, às festas e às edições discográficas da Kaos, em particular o EP dos Underground Sound Of Lisbon (de Rui da Silva e do DJ Vibe), do qual se destacava 'So Get Up', tema que atingiu os tops de dança em Portugal e nos EUA. De Norte a Sul do país, em clubes mais conhecidos ou em armazéns abandonados, as festas multiplicavam-se. Mas Montemor-o-Velho ficaria para sempre como símbolo deste movimento.

É por tudo isto que, quando decidiu avançar para o projecto do Forte – cujo nome foi escolhido por espelhar o espírito do festival, mas também por ser sinónimo de fortificação e por, em inglês, significar 'a thing at which someone excels' – Ilídio Chaves sabia bem qual o palco que queria. “O castelo é um espaço incrivelmente bonito que oferece todas as condições para realizar um evento memorável. Além disso, fica no centro de Portugal, logo à saída da A14. Encontra-se no centro da vila e fica perto de um parque de campismo cheio de árvores. E, claro, não nos podemos esquecer da mística do castelo. É algo que se sente quando se entra e que é muito difícil de explicar. Naquelas muralhas há muitas histórias para contar, sendo uma delas a da génese da cultura de música de dança em Portugal e das famosas raves”.

Mas claramente os tempos são outros. As raves outrora carregadas de simbolismo ilegal, são hoje abraçadas pelas autoridades – por algumas, pelo menos. Logo na conferência de imprensa de apresentação do festival, Emílio Torrão, autarca de Montemor-o-Velho, assegurou que o apoio da Câmara se inseria na sua política cultural e também servia de incentivo à economia local. Mais, a garantia dada pela organização do festival quanto à preservação do castelo, foi essencial para o apoio camarário. “As obras de reconstrução do pórtico da igreja de Santa Maria de Alcáçova – que se encontra dentro do castelo – serão pagas pelo festival. Foi uma ideia nobre que partiu do presidente da Câmara e que nos dá ainda mais orgulho por ajudarmos a fazer esta recuperação ao invés de simplesmente pagar uma renda”.

O Forte arranca a 28 e termina três dias depois, tendo disponíveis apenas cinco mil bilhetes. Já o critério para a escolha do cartaz foi, segundo Ilídio Chaves, apenas um: “Qualidade”. Assim, o cartaz inclui nomes como o veterano alemão Sven Väth, Michael Mayer, Minilogue e Mathew Jonson, e Gui Boratto. A estes junta-se ainda uma armada portuguesa de peso: Rui Vargas, Expander & Thinkfreak, João Maria, Twofold, Manu, Kinetic, David Rodrigues e Rui Trintaeum. “A questão dos artistas nacionais é uma preocupação fundamental do Forte. No final dos anos 90 havia uma valorização do talento nacional, que se foi perdendo ao longo dos anos, à medida que os promotores passaram a apostar quase exclusivamente em nomes internacionais. Neste momento chegámos a um absurdo onde DJ nacionais são colocados no cartaz porque vão atrair um certo grupo de amigos ou, ainda pior, porque vão vender bilhetes, funcionando como relações públicas. Queremos recuperar a imagem do artista nacional, dando-lhe a importância que merece”.

Quase vinte anos depois, o castelo de Montemor-o-Velho voltará a ouvir os acordes do que de mais moderno se faz na música de dança. Uma espécie de “nova revolução”, explica Ilídio Chaves. Porque muita coisa mudou entretanto. “Nos anos 90, era tudo novidade e o entusiasmo era muito grande, havendo motivos para as pessoas se unirem sob a alçada de um novo princípio onde a música era a figura principal. Com o decorrer dos tempos, a música foi perdendo protagonismo em detrimento de outros factores, que com ela nada têm a ver mas passaram a ser dominantes. A sociedade mudou e com isso os seus costumes. Entretanto veio a crise, que desanimou muita gente e agora estamos a viver uma espécie de limbo cultural, onde se sente um vazio generalizado que nos faz ter saudades daqueles momentos onde nos deixávamos estimular pelo audiovisual, vivendo a experiência em plenitude”. É esta a promessa do Forte.

raquel.carrilho@sol.pt