Isto e o seu contrário

De cima do muro, Humpty Dumpty garante a Alice que, em cada ano, existem 364 dias em que podemos receber presentes de desaniversário. O argumento é razoável: se existe o que existe, então terá de existir também o que não existe, caso contrário o que existe não existiria. Se existe um dia de aniversário, existem…

O Constantino deste livro parece herdeiro de um outro, guardador de vacas, criado por Alves Redol. Os dois têm 12 anos e perseguem sonhos e pensamentos fantasiosos, o primeiro a bordo de um bote de canas, o segundo a dado passo num cruzeiro para a Taprobana. No começo da história (ou logo depois do começo do começo), Constantino e o irmão mais novo, Cláudio, estiveram tão entretidos a dar banho aos pintos no celeiro do Mirandolino que se esqueceram da hora de regresso a casa. Agora, estão sozinhos no escuro, à procura do melhor caminho. O que fazer? “Encontrar um ponto de referência 'por exemplo'. Em vez de 'por acaso'“. Constantino, bem mais especulativo e teatral do que o irmão, pode não chegar a resolver as questões, mas nunca larga o leme das reticências e possibilidades.
Cláudio e Constantino é mais um exemplo da imaginação virtuosa e do arrojo e segurança técnicos de Luísa Costa Gomes, comprováveis em 32 anos de um percurso de excepção como romancista, contista, tradutora, guionista, cronista ou dramaturga. Neste caso, sobressai a eficácia das situações e dos diálogos criados para ilustrar inúmeros paradoxos, dilemas ou falácias famosos, sempre com recurso ao registo paródico e humorístico e à intertextualidade e numa linguagem cuidadíssima. Na casa grande e abastada da família, cheia de afecto e de vida e de temperamentos e nomes curiosos, Cláudio e Constantino vivem ou sonham maravilhosas aventuras de dúvida e descoberta. Neste romance, cabe mesmo tudo, para todas as idades.

Livro: Cláudio e Constantino

Autora: Luísa Costa Gomes
Editora: Dom Quixote
222 págs
Preço: 14.90 euros