José Lello: ‘É difícil dizer se é Seguro ou Costa quem está mais à esquerda’

Seguro pode fazer uma “lista de 80 boutades”, mas é Costa quem tem capacidade de liderança, diz o deputado e ex-ministro de Guterres. Deseja e acredita que Guterres queira ser PR e enviou-lhe um sms: “Estarei pronto”.

O pagamento de quotas a militantes mortos, emigrados e acamados, em Braga, é um prenúncio de chapelada nas eleições internas?

O caso tem mais que ver com a disputa de Braga, nas eleições para as estruturas distritais, do que com as directas entre Seguro e Costa. Por vezes, nas estruturas do partido, há gente que não se conforma com a aplicação dos princípios democráticos e isso é uma coisa horrenda.

Estes casos podem corromper as eleições primárias, que se realizam depois?

Eu acredito que não. Há uma margem de participação tão ampla – o número de simpatizantes pode até ultrapassar o universo dos militantes – que perturbações nos cadernos eleitorais de uma ou duas distritais terão uma influência diminuta.

Seguro diz que faltam ideias novas a Costa. Não é assim?

Vejo António Costa com um discurso de acção política que se estende por dez anos. Portanto, ideias tem. De Seguro, o que eu tenho visto é um amontoado de boutades. Tem oitenta propostas [no Novo Rumo] mas nada de muito substantivo.

Não são as ideias que estão em causa agora?

O que faz a diferença não são os programas, é a capacidade das pessoas, o carisma, a liderança, a dinâmica na intervenção. Não é um amontoado de ideias. O que está em causa é o António Costa mostrar as suas capacidades pessoais em mobilizar os cidadãos. O programa de futuro, o programa de Governo virá depois, no seu tempo.

Essa não é uma forma de António Costa não se comprometer com nada de concreto?

Ele tem-se comprometido com o essencial, há ideias determinantes como a defesa do Estado Social, a modernização da economia, que são questões que fazem a diferença em relação ao Governo actual. Costa tem ideias muito concretas e sólidas. O que os portugueses estão a escolher é quem tem capacidade de liderança, de mobilização para uma missão difícil, não é quem é capaz de apresentar 80 projectos, como Seguro fez. As minudências dos projectos surgirão quando forem para cotejar com os projectos da maioria, em eleições.

António Costa está mais à esquerda que António José Seguro?

É muito difícil dizer quem está mais à esquerda ou mais à direita. Até agora, o que se esteve a definir foi quem está mais pelos valores intrínsecos do PS e não aspectos muito ideológicos. O que está em causa é a resolução de problemas concretos que permitam aos portugueses divisar uma dinâmica de desenvolvimento. Por isso, a tónica do discurso do Costa é muito focada no emprego.

O PS deve preferir a esquerda para fazer alianças? Está a ver um Governo com o BE ou o PCP?

António Costa não enjeita quem quer que seja para formar um Governo de maioria. Até agora, o BE tem demonstrado que não tem servido para coisa nenhuma em matéria governativa e julgo que isso levou à sua queda. Pode ser que à esquerda do PS comece a haver a percepção de que os partidos têm de fazer mais do que criticar.

À direita, espera que os entendimentos com o PSD sejam mais fáceis num período pós-Passos?

O PS já teve uma coligação com o PSD que correu muito bem mas hoje não tem nenhuma afinidade ideológica com a matriz neo-liberal do PSD actual.

Mas não acredita que as coisas mudem depois de Passos Coelho?

Tenho muitas dúvidas. O que vejo no Parlamento é que as novas gerações e os novos protagonistas do PSD são mais radicais do que os mais velhos, mais radicais que Passos Coelho. Na direcção actual, refiro-lhe o caso de Teresa Leal Coelho, que mostra um radicalismo que é uma coisa doida.

Tem objecções a entendimentos com Marinho Pinto?

Tenho simpatia pessoal por ele mas não tenho nenhuma simpatia política. O Marinho Pinto tem posições absolutamente intoleráveis, na forma como aborda a vida dos partidos e nas regras do jogo na vida política. Marinho Pinto tem um discurso que é demasiado trauliteiro para o meu gosto.

Concorda com a proposta de Seguro de referendar uma aliança governativa depois das legislativas?

Não. Isso é uma tolice. Quando alguém é indigitado para primeiro-ministro vai a eleições com um mandato específico. Se não tiver maioria absoluta, admito que tente validar num órgão do partido, como a comissão política, o acordo de Governo que conseguir com outro partido. Agora, o referendo seria um processo longo e pastoso. Não é possível aguentar o país sem Governo por razões desse tipo.

O que faltou a Seguro para ser um bom líder?

Para ter um programa é preciso ter dois ou três génios que o façam, para ser um bom líder é preciso qualidades pessoais, capacidade de liderança e de mobilização. Não tenho nada contra Seguro – sentámo-nos no mesmo Conselho de Ministros durante muito tempo – mas ele tem falhas de afirmação. E algumas são puras ingenuidades, como foi o caso de ter ido ao governador do Banco de Portugal para se conformar com a solução do BES, ou ter ido ao Ministério da Administração Interna para concluir que este ano não ia haver incêndios, quando toda a gente sabe que não os há porque não há calor. São indícios de falta de visão política.

Encara a hipótese de voltar a ser membro de um Governo, agora liderado por António Costa?

Não. Estive sete anos no Governo, fui ministro e secretário de Estado. Para esse peditório já dei (risos). Foi muito gratificante. Mas o que pedem hoje em dia a um cidadão para ser governante é uma coisa impossível. Não estou em condições de corresponder. Embora fosse exaltante trabalhar com António Costa.

Espera que António Guterres seja candidato nas presidenciais?

Conheço muito bem Guterres – foi ele que me fez ministro -, e temos uma relação de amizade, mas fiquei surpreendido quando vi que podia não estar distante desse objectivo. Constato afinal que, apesar do seu silêncio, pode ter essa apetência. A primeira coisa que fiz foi dizer-lhe que estaria disponível para me envolver na campanha. Mandei-lhe um sms: 'Quando for preciso, estarei pronto'. Seria o melhor candidato possível.

Porquê?

Tem um enorme prestígio internacional, uma extraordinária sensibilidade social, sentido de Estado e capacidade de diálogo. Como Presidente da República, poderá conseguir entendimentos entre as diversas forças políticas e mobilizar os portugueses, atacando a constante conflitualidade que não é boa para o país.

Acredita que ele vá avançar?

Não apenas acredito como desejo.

manuel.a.magalhaes@sol.pt