O que usa para marcar os seus livros?

A forma como cada um trata os seus livros diz muito sobre a sua personalidade. Há quem forre a capa para reduzir o desgaste ao mínimo; há quem não se coíba de pousar o livro, em especial se for pesado, sobre os calções de banho encharcados, deixando-o ondulado e com rugas de humidade; há quem…

Igualmente reveladores são os marcadores que se usa. O brilhante Sherlock Holmes certamente obteria um manancial de informações preciosas a partir deles. Se encontrasse o livro que estou a ler de momento, por exemplo, talvez conseguisse perceber o meu ofício (e porventura a competência com que o desempenho), uma vez que uso como marcador uma folha impressa com perguntas que preparei para uma entrevista. Nessa folha, tomei alguns apontamentos manuscritos acerca o livro em questão (para não o profanar), e por sua vez a minha caligrafia revelaria mais traços da minha personalidade.

No final de Julho recebi um email do site Abebooks, o gigante dos livros usados (alguns bastante raros), intitulado ‘Things found in books’ – coisas encontradas em livros. Ali fala-se de todo o tipo de marcadores, desde os mais comuns, como bilhetes de transportes, postais, cartas ou fotografias, até aos mais insólitos. Nesta categoria incluem-se um cotonete usado, um dente de bebé, um certificado de casamento, «um preservativo (não usado), uma barata (morta) e uma fatia de bacon».
Diria que comida e insectos não são os marcadores mais aconselháveis (podem deixar nódoas de gordura), mas também não recomendaria objectos de valor. O artigo da Abebooks menciona um anel com um diamante (provavelmente a proprietária terá dado voltas e voltas à cabeça a pensar onde o teria perdido) e uma pequena (ou nem tanto) fortuna em dinheiro: «Uma senhora rica e idosa da minha idade morreu há uns anos e deixou uma grande colecção de livros […]. Alguns acabaram numa loja de caridade, incluindo um livro de cozinha para microondas que, veio a revelar-se, continha 40 notas de mil dólares», diz o testemunho de um livreiro do Novo México.
Esta descoberta recordou-me inevitavelmente uma passagem de O Imperador, do polaco Ryszard Kapuscinski, sobre os últimos dias de Haile Selassie como imperador da Etiópia. «Então os oficiais levantam-se dos sofás, abrem armários com livros e de várias Bíblias retiram dólares».

Há dias pedi ao livreiro Bernardo Trindade que me revelasse os objectos mais estranhos que já lhe apareceram dentro de livros. Disse-me certa vez ter encontrado «setenta contos» no interior de um livro e noutra uma nota muito rara de mil escudos. Trevos de quatro folhas são comuns e, em livros dos séculos XVII ou XVIII, por vezes aparecem cartas de jogar antigas, que têm grande valor de mercado. Mas os seus maiores achados foram duas cartas autógrafas de Camilo Castelo Branco e um cartão com uma pintura de Mário Cesariny.
Por isso sugiro: se tiverem livros antigos em casa, abram-nos. Se não for para os ler, ao menos para ver se têm alguma coisa lá dentro. Pode ser que se deparem com uma surpresa: quem sabe, um objecto curioso ou até mesmo um pequeno tesouro. 

jose.c.saraiva@sol.pt