Festas & Faltas

A festa é um intervalo na tristeza. Por isso mesmo, acentua a dimensão não-festiva da existência. É também um movimento consciente de resignação e hipocrisia: um corte na vida dita ‘normal’, um momento em que a seriedade e a verdade são proibidas. Inimigos sorriem uns aos outros e beijam-se; as conversas querem-se leves e borbulhantes…

Agosto é o mês de todas as festas: os emigrantes vêm de férias e há baile nas aldeias, as revistas de celebridades e os partidos políticos fazem festas à beira-mar para encher as páginas e os ecrãs estivais, os jovens estão de férias e portanto há um festival de música em todos os recantos do país, que nas férias os pais são mais permissivos e abrem os cordões à bolsa.

Depois, calam-se foguetes e fogos-de-artifício, apagam-se as luzes, desmontam-se os palcos, limpam-se as garrafas de cerveja, volta-se ao rame-rame.

As festas servem sobretudo para isso: para garantir o acatamento da normalidade. Carnavais temporários, em que a máscara da felicidade parece colar-se-nos ao rosto. Na verdade, o sonambulismo da festa é um poderoso instrumento de controlo social; por alguma razão as ditaduras gostam tanto de celebrações, homenagens e música. Não gostam é de festivais literários – e a nossa democracia também não. Festa é para não pensar. 

O culto da festa caracteriza uma civilização centrada no fragmentário e no imediato. O prazer rápido da festa ergue-se contra a fruição lenta do que permanece.

Portugal afirmou-se desde os seus primórdios através da literatura – e, embora continue a ser considerado uma potência literária, não cuida desse seu património em constante evolução. Há dois ou três festivais literários relevantes, um deles (Correntes d'Escritas da Póvoa de Varzim) com uma longevidade inédita. A persistência é uma das qualidades que mais falta a Portugal: começamos coisas que nunca acabamos, ou porque caímos no autodeslumbramento e na subsequente preguiça, ou porque, quando alguém ou alguma coisa começa a fazer-se notar, logo se ergue um exército de invejosos para a matar. 

O que foi feito do esforço de internacionalização da literatura portuguesa lançado nas décadas de 80 e 90 do século passado, com brochuras, presenças sucessivas em feiras importantes, exposições e pavilhões gabados como originalíssimos? Porque não tem a RTP dois minutos por dia onde um poeta diga um poema, um escritor leia um parágrafo, ou alguém recomende um livro? Para onde se sumiu o projecto de fazer de Lisboa a Capital Mundial do Livro? Porque não se lança esse projecto em Sintra, ou no Porto, ou em Coimbra, só para falar de locais icónicos da nossa literatura, e mundialmente celebrados? A literatura é uma arte pobre – mas de dividendos facilmente multiplicáveis. Quando nos disporemos a investir nesse capital seguro?

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