Em português nos encantemos

Ricardo Ribeiro não tem dúvidas de que é do fado. Mas um fadista também empresta a voz a outros ritmos e melodias, especialmente quando as sente tão intensamente como às do fado. Esse ‘segundo amor’ surgiu na vida de Ricardo Ribeiro em 2005, quando conheceu Rabih Abou-Khalil e o o compositor e alaudista libanês o…

É por isso com propriedade que Ricardo Ribeiro já se auto-intitula “um membro” da banda de Abou-Khalil. “Há uma cumplicidade muito grande em termos estéticos e musicais que obriga a que estejamos sempre a trabalhar juntos. Só não o acompanho em digressão quando são concertos instrumentais”, refere o fadista, revelando que no final do ano deverá sair novo registo, gravado com a Frankfurt Radio Bigband. 

Cantado todo em português, Ricardo Ribeiro ainda hoje se emociona ao explicar a opção de Abou-Khalil em compor só para a nossa língua. O libanês fala fluentemente cinco idiomas, mas é o ritmo e a cadência do português que mais o seduz na hora de construir sons com as palavras. “Ele costuma dizer que é uma língua muito musical. Que não é dura”. 

No início, a preferência linguista do alaudista facilitou a aproximação a Ricardo Ribeiro, mas o fadista enumera outras características para a intimidade que entretanto se criou: “Sempre tive muita ternura por coisas de cariz étnico, desde o cante alentejano ao folclore português e à cultura árabe e as suas tónicas. Não sei como nem porquê, mas compreendo a música de Rabih. Engasgo-me muito a ler, mas ele manda a partitura e sei exactamente o que quer. Além de a compreender, sinto-a…”.

Mas se no fado é fácil identificar o que o motivou a persegui-lo, explicar a naturalidade com que canta as “melodias complexas, com muitos saltos, como se fossem ondas do mar”, de Abou-Khalil já não é assim tão óbvio. “Não busco essa explicação. Talvez seja por ter lidado muito com a etnia cigana. No bairro onde cresci (na Ajuda) havia muitos ciganos e eles têm uma musicalidade diferente. É mais modal e a música do Rabih também é muito modal”, arrisca, voltando a frisar que o que o interessa explorar na música é a “essência natural” das coisas e não a “adquirida”. “Tenho uma essência natural que me faz viver nestes mundos como se eu fosse esse mundo e esse mundo fosse eu”.

Para quem nunca os ouviu, Ricardo Ribeiro descreve a música que faz com o libanês como “muito mediterrânea”. “Não é música árabe clássica, nem tão-pouco folclórica ou popular, apesar de ter a sua matriz aí. Rítmica e melodicamente tem ritmos muito díspares, mas ao mesmo tempo é-nos auditivamente familiar. Às vezes parece que sentimos a música alentejana, o Norte de África, da Europa em determinadas frases melódicas. Mas só ouvindo se percebe do que falo”, diz. 

Antes de o próximo disco sair, hoje à noite, no Largo de São Carlos, há então mais uma oportunidade para ouvir estes virtuosos do alaúde e da interpretação juntos (e restante conjunto), com o bónus de se ficar a conhecer dois temas inéditos: 'Grãos de Areia', com poema de António Rocha, e 'Que povo é este que povo'. 

alexandra.ho@sol.pt