Propaganda ou notícia?

Nem a SIC nem a TVI vão seguir a decisão da RTP – noticiada há duas semanas no site do SOL – de recusar a transmissão de eventuais novos vídeos de decapitações de jornalistas executadas por membros do Estado Islâmico (EI). 

José Alberto de Carvalho, director de Informação da TVI, salienta que “todos os media em Portugal se portaram bem. As imagens são chocantes, mas no mundo inteiro, que se saiba, as televisões agiram de forma responsável e não transmitiram os momentos da morte”. Motivo que leva este responsável da estação de Queluz a sustentar que “este é um não assunto”. 

Explicar imagens 

Alcides Vieira, director de Informação da SIC, salienta que o papel dos órgãos de informação é o de contextualizar os acontecimentos e as imagens “que na internet, sim, passam muito mais facilmente sem qualquer controlo”. Para este responsável, a internet e as redes sociais replicam imagens violentas “e aí, sem passarem pelo crivo de um grupo de profissionais, que são os jornalistas, que se preocupam em contextualizar e explicar as imagens”.

Alcides Vieira considera que acontecimentos como as execuções dos jornalistas James Foley, Steven Sotloff e David Haines, gravadas para serem difundidas por todo o mundo, “têm relevância jornalística. São momentos que não podem ser ignorados”. Mas, sendo matéria muito sensível, “tem de ser tratada de acordo com todas as regras éticas e deontológicas, tal como acontece na cobertura das guerras”. 

Refira-se que a decisão da RTP, segundo disse ao SOL José Manuel Portugal, o seu director de Informação, tem a ver com o facto de a estação pública não ser “conivente com esta forma de terror que atenta contra os direitos humanos”: “Como estação de serviço público, temos de dar o exemplo. Não precisamos de mostrar 'aquilo'“. Nos vídeos da execução, o jihadista que surge de cara tapada ameaça voltar a matar mais jornalistas se os Estados Unidos mantiverem o apoio de acções militares no território reivindicado pelo EI. 

Joaquim Vieira, presidente do Observatório da Imprensa – uma associação privada sem fins lucrativos, criada há 20 anos para o estudo do sector e a promoção boas práticas jornalísticas – considera tratar-se de um tema complexo. Defende, no entanto, que “deve ser uma opção editorial de cada órgão de informação”. O jornalista e autor de vários ensaios históricos adianta, no entanto, que se fosse director de um órgão de informação “não publicaria ou transmitiria o vídeo” por achá-lo “extremamente violento”, dando a notícia acompanhada de outras imagens, uma posição semelhante à tomada pela RTP.

“Quem quiser ver o vídeo pode fazê-lo online”, sustenta. Para Joaquim Vieira, o tema carece de reflexão porque há um duplo sentido: “É verdade que elas servem a propaganda do Estado Islâmico mas também é verdade que alimentam a revolta contra estes radicais”. 

Caso a caso

José Alberto Carvalho recorda a “extrema violência das imagens do 11 de Setembro”, tal como outras sobre vários conflitos ao longo do século XX, “mas que se tornaram icónicas e, de certa forma, fizeram com que a verdade surgisse à opinião pública. É impossível higienizar o que se passa à nossa volta”. José Alberto Carvalho adiantou ainda que a TVI teve acesso ao vídeo completo da decapitação de James Foley e assevera: “Nunca nos passou pela cabeça transmitir, como é óbvio. Seria impensável. Não podemos é tomar posições de princípio. Cada caso deve ser analisado friamente”.

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