Paralelos históricos

Este Verão, além dos 100 anos que passam da Primeira Grande Guerra, passam também 75 da Segunda. Duas guerras que marcaram o século passado e, por isso, também o nosso tempo.

Afeitos já aos usos e abusos dos paralelos históricos, desmultiplicamo-nos em cenários comparativos; quanto mais não seja para escapar às incertezas e confusões do momento presente e à relativa pasmaceira da domesticidade e para tentar entender a História viva que acontece e de que também fazemos parte.

Se a conjuntura político-militar nas fronteiras russo-ucranianas lembra a de há 75 anos – com a Rússia a fazer de Alemanha e a Ucrânia a de Polónia -, já o panorama geopolítico asiático lembra o do mundo de há 100 anos.

Temos um hegemon indeciso – os Estados Unidos – que olha a China talvez como os ingleses de há um século olhassem a Alemanha guilhermina: como um poder que os pode vir a ultrapassar. O Japão faz as vezes da França, rearmando-se, de olhos postos na recuperação rápida da China, que alega os agravos dos anos 30 do século passado, com o seu cortejo de violências e humilhações.

A Europa requer maior prudência analítica e redobrada atenção nas comparações históricas precipitadas. Os norte-americanos têm lidado com a Rússia e com Vladimir Putin de modo incerto e inseguro, insensíveis à História e à cultura da Rússia e à personalidade e situação do seu Presidente. Putin é um patriota realista e puritano, cuja formação deve muito à meditação dos ciclos de grandeza e decadência do seu país. Do triunfo de Alexandre I, do apogeu da Rússia na Europa pós-napoleónica, da derrota na Crimeia, das tragédias da revolução, da guerra civil, da ascensão da URSS e da implosão do império comunista, Putin extrai uma lição: a de que os líderes fracos perdem os seus Estados e os seus povos.

O seu jogo é um exercício arriscado, até porque os media ocidentais não têm e não transmitem uma importante noção – a de que a alternativa ao realismo duro do Presidente russo não é uma linha centrista moderada, mas uma linha de nacionalismo radical, de que são símbolos Vladimir Jirinovski, Eduard Limonov ou os brigadistas paramilitares da RNU (Unidade Nacional Russa) de Alexander Barkashov. E estes vigiam-no e pressionam-no e têm apoio na população e nos meios de comunicação.

Putin tem, assim, que lidar com estes grupos e proteger-se deles, através de uma linha complicada, entre as pressões da NATO e de parte da opinião russa e as dos russos da Ucrânia, que não lhe perdoam o abandono.

Aqui, não há nem pode haver paralelos fáceis com Hitler e a Alemanha de 1939.