A receita das corporações…

Houve tempo em que a Ordem dos Advogados era representada por bastonários com vasto currículo, prestigiados na classe e respeitados pelos operadores da Justiça.

A sua palavra era ouvida dentro e fora dos tribunais e tinha um peso inquestionável. Eram influentes sem precisarem de se envolver em bravatas, e sabiam expor a sua opinião sem gritaria.

Basta recuarmos ao passado, nem sequer muito longínquo, para encontrarmos bastonários renomados como Ângelo de Almeida Ribeiro, Mário Raposo, José Manuel Coelho Ribeiro, Osório de Castro, Lopes Cardoso, Maria de Jesus Serra Lopes, Júlio Castro Caldas, António Pires de Lima ou, mesmo, José Miguel Júdice e Rogério Alves, se descontarmos em ambos uma forte apetência pela visibilidade mediática.

Cada um com o seu perfil, não se confundiam com sindicalistas. Assumiam a Ordem com dignidade e saber de experiência feito. Com a eleição de Marinho Pinto operou-se a grande mudança de estilo. E de conteúdo.

Entregue a Ordem a um bastonário com apetência para a política – como se viu depois, vindo da escola do PCP -, a forma como exerceu o mandato só poderá ter surpreendido quem não o conhecia, intervindo no seu modo peculiar de justiceiro.

A sucessora – por ele indigitada e apadrinhada – segue-lhe escrupulosamente as pisadas.

O pretexto mais recente foi o novo Mapa Judiciário. E a bastonária não se limitou às catilinárias habituais, visando, em particular, a ministra da Justiça. Foi mais longe, ao anunciar um processo-crime contra todos os membros do Governo (acusando-os de atentado ao Estado de direito!…), por terem aprovado em Conselho de Ministros o referido mapa. Caricato.

Entre outros disparates, Elina Fraga veio a terreiro defender na SIC que o novo Mapa Judiciário, somado à excessiva carga fiscal, levará a que muitas pessoas optem por “fazer justiça pelas próprias mãos” e que a aplicação do novo mapa lhe faz lembrar a “guerra no Iraque”. Nem menos.

A Ordem está em boas mãos… Com esta bastonária, secundada pelo vice-presidente, Nuno Godinho de Matos. Este, assumidamente, um 'verbo de encher' enquanto administrador não executivo do BES – a quem nunca incomodou 'entrar mudo e sair calado' das reuniões, ao longo de seis anos, a troco de senhas de presença de 2 400 euros líquidos, por cada participação silenciosa…

Fundador do PS – também maçon e apoiante de António Costa -, ao ilustre causídico não repugnam estes dinheiros, ganhos sem desperdiçar palavra. Adiante.

Poderá o Mapa Judiciário ter os seus defeitos?

Decerto.

E a ministra Paula Teixeira da Cruz bem se esforçou na SIC para esclarecer as dúvidas na sua aplicação. Mas a pivô do principal jornal da noite teimou em interrompê-la, raramente lhe concedendo tempo para concluir um raciocínio. O costume.

Mexer seja no que for é, pelos vistos, tornar-se suspeito de crime. É o Estado Corporativo no seu melhor.

Ao menor pretexto ou sobressalto, as corporações agitam-se e contra-atacam. Na Saúde, na Educação, na Justiça. A regra de ouro para quem governa – se não quiser o pelourinho – é deixar tudo como está. O imobilismo é sagrado para qualquer corporação que se preze. Elina Fraga e a Ordem os Advogados seguem a receita à risca.