A primeira condenação

Maria de Lurdes Rodrigues tornou-se esta segunda-feira a primeira ministra a ser condenada por um crime praticado no exercício de funções. Os juízes da antiga 6.ª Vara Criminal de Lisboa concluíram que a antiga titular da pasta da Educação no Governo de José Sócrates cometeu um crime de prevaricação por ter celebrado, entre 2005 e…

A primeira condenação

A decisão surgiu uma semana depois da de Armando Vara, ex-ministro de António Guterres,  mas que foi responsabilizado por crimes praticados dez anos depois no caso Face Oculta, ou seja, fora do exercício de funções.
Segundo a lei, de 1987, o crime de prevaricação consiste em decisões ilegais tomadas por titulares de cargos políticos “com o objectivo de beneficiar ou prejudicar alguém”.

A condenação de Costa Freire, secretário de estado

Uma das primeiras condenações por este crime foi a do ex-secretário de Estado da Saúde Fernando Costa Freire, em 1994, a cinco anos de prisão – num processo em que estavam em causa também crimes de burla (em obras e equipamentos). Acabaria  por prescrever, depois de o Tribunal Constitucional ter considerado nula a decisão da primeira instância de alteração dos factos que constavam da acusação. 

Além de Lurdes Rodrigues foram condenados João Baptista, antigo secretário-geral do Ministério da Educação, e o próprio João Pedroso – ambos em três anos e meio de prisão, penas suspensas na condição de entregarem ao Estado 30 mil e 40 mil euros, respectivamente. Apenas foi absolvida a quarta arguida, Maria José Morgado, ex-chefe de gabinete da ministra, por se ter considerado não haver provas de intervenção decisiva no caso.

“A argumentação usada pelo Ministério Público (MP) na acusação, bem como pelo tribunal durante o julgamento, revelam a existência de preconceitos sobre os políticos, em particular sobre os que exerceram ou exercem cargos governativos”, afirmou Lurdes Rodrigues à Lusa, reclamando que foi condenada “sem qualquer prova directa” do crime.

“Houve uma instrumentalização da Justiça para fins políticos”, acrescentou, referindo-se ao facto de ter sido muito contestada pelos professores e de o processo ter sido aberto pelo DIAP de Lisboa,  na sequência de uma exposição de deputados do PCP ao procurador-geral da República, baseada em artigos publicados nos jornais, que denunciaram o caso.

'Versão dos arguidos é inverosímil e contraditória'

O Tribunal concluiu, com base em documentos, depoimentos de funcionários do Ministério, uma auditoria do Tribunal de Contas (que declarou ilegais os contratos em causa) e até trocas de e-mails entre Pedroso e Baptista, que “a versão dos arguidos é intrinsecamente inverosímil e mesmo contraditória”.

Ao longo de 119 páginas, os juízes Helena Susano (presidente do colectivo), Elisabete Reis e Pedro Nunes apontam os factos que os levaram a concluir que a ex-ministra “decidiu adjudicar a João Pedroso” um trabalho de compilação e harmonização da legislação da área da Educação, “violando conscientemente” as regras da contratação pública e para “beneficiar este arguido”. Não está em causa, salientam, a decisão política de mandar efectuar o trabalho, mas sim a sua legalidade.

Ora, o Tribunal dá como provado que a compilação até era um trabalho necessário e que o Ministério não tinha juristas suficientes para o fazer, mas também que Lurdes Rodrigues não cuidou sequer de saber se já havia outras compilações do género (e havia cinco). Depois, Pedroso não é especialista em leis da Educação, nem sequer o único jurista que poderia fazer essa tarefa – o que não preenche os requisitos excepcionais dos ajustes directos, obrigando a concurso público. Isto, além dos valores em causa: 45 mil euros no primeiro contrato (divididos em 12 meses, mais parecendo uma avença) e 220 mil euros no segundo.

Finalmente, constata-se que os arguidos “comungavam de uma mesma afinidade política e tinham relações pessoais entre si” e que, tendo em conta o seu vasto currículo em funções públicas, “não poderiam deixar de saber” que há regras específicas na aquisição de bens pelo Estado.

As “contradições” dos arguidos e “versões ziguezagueantes” no julgamento, conjugadas “de forma lógica” com outras provas, formaram “a convicção” dos juízes de que os arguidos agiram com dolo.

Por exemplo, João Pedroso e Lurdes Rodrigues disseram que se conheciam “de vista”, do ISCTE, sendo que o nome do primeiro foi sugerido à ministra por Augusto Santos Silva. Mas o Tribunal veio a constatar que o companheiro de Lurdes Rodrigues, também docente no ISCTE, orientou nesse ano de 2008 a tese de doutoramento de Paulo Pedroso e escreveu intervenções e livros com João Baptista, de quem aliás é sócio numa editora.

Adjunta implicou ex-ministra

Depois, Lurdes Rodrigues disse que se limitou a tomar a decisão e a nomear João Pedroso, remetendo os pormenores (contratos e honorários) para a Secretaria-Geral negociar, desconhecendo quem o terá feito. João Baptista, o ex-secretário-geral, afirmou que recebeu instruções da ministra e encaminhou-as para os serviços, tendo sido estes a decidir os pormenores, mas também não sabe quem. Até João Pedroso garantiu que só soube dos valores que lhe iam pagar quando viu o despacho da ministra – isto apesar de haver propostas de honorários de um professor que trabalhou com ele, dirigidas a João Baptista. E uma adjunta de Lurdes Rodrigues implicou-a, afirmando que a redacção do despacho foi discutida “com a sr.ª ministra” e que as instruções que deu foram “vertidas na íntegra”, incluindo os valores.

“Compreende-se o interesse da versão da defesa em rematar para o vácuo a responsabilidade do detalhe decisório”, remata o Tribunal, “porém, as ligações existentes entre os arguidos e os factos parcos que tiveram de assumir (…) conduzem à firme convicção de que tinham de ser eles a executar o acordo celebrado”. 

Incompreensível também para os juízes é a explicação de Pedroso para não ter concluído o trabalho (“era o tipo de trabalho para o qual os meus olhos sorriam”, mas “descarrilou, por razões de índole pessoal”, disse). É que nesse mesmo período fez pelo menos cinco estudos para o Ministério da Justiça – “todos por ajuste directo e, à excepção de um, todos pelo mesmíssimo valor de 36.300 euros” -, justificados por ser especialista em sociologia jurídica. Um total de 154.275 euros. “Mal se compreende que para tamanha paixão, tão pouca prioridade tenha sido concedida” ao contrato com a Educação, concluem os juízes.

paula.azevedo@sol.pt