VIH: De Kinshasa para o mundo

Um grupo de cientistas das Universidades de Oxford (Reino Unido) e de Lovaina (Bélgica) acaba de publicar um artigo na Science sobre a origem da pandemia de VIH. Segundo eles, o vírus terá encontrado uma conjugação ideal de factores para se disseminar pelo mundo a partir de Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo,…

A cidade, explica ao SOL o português Nuno Faria, do departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, “tinha nesta altura as condições iniciais para ser o berço da epidemia: era a maior cidade e tinha o maior crescimento populacional da África Central. Além do mais, Kinshasa estava bem conectada por meio de transportes fluviais e principalmente ferroviários a outras regiões da Africa Central”. Faria, primeiro autor do artigo, refere que a capital da RD Congo terá sido, com alto grau de probabilidade, o local onde o vírus se começou a transmitir pela população humana e a partir dali para o mundo, até chegar a números de pandemia em finais do século XX.

Os grupos destas universidades usaram metodologias estatísticas para determinar esta origem. “O nosso estudo necessitou do desenvolvimento de uma rede estatística para reconstituir a dispersão do vírus ao longo do tempo e do espaço a partir da das suas sequências de genoma”, explica Philippe Lemey, do Instituto Rega da Universidade de Lovaina, outros dos autores principais do artigo. 

Nuno Faria, agora em Oxford, começou esta investigação há três anos, quando estava, justamente, em Lovaina a fazer a sua tese de doutoramento. Os dados recolhidos permitiram conclusões interessantes: “Os dados dos arquivos coloniais dizem-nos que, por finais dos anos 40, mais de um milhão de pessoas viajava, por anos, até Kinshasa através dos caminhos-de-ferro”, diz. “Os nossos dados genéticos dizem-nos que o VIH dispersou-se rapidamente através da República Democrática do Congo (um país do tamanho da Europa Ocidental), viajando com as pessoas por caminho-de-ferro e cursos de água até chegar a Mbuji-Mayi e Lubumbashi no extremo Sul e Kisangani no extremo Norte em finais dos anos 30 e início dos anos 50”. 

As viagens do vírus, por milhares de quilómetros, acabariam por romper as fronteiras do país, então uma colónia belga. Cedo chegaria a outros países africanos limítrofes. “Pensamos que as alterações sociais após a independência em 1960 levaram o vírus a expandir-se de pequenos grupos de pessoas infectadas para infectar uma parte maior da população e até o mundo”, continua Faria. Essa alterações sociais vão desde as alterações de comportamento de trabalhadores do sexo até algumas iniciativas de saúde pública para combater outras doenças, que levaram ao uso pouco seguro de agulhas e seringas. O cocktail para a dispersão da doença estava assim formado. 

Este conhecimento pode abrir outras perspectivas sobre o VIH, defende Nuno Faria. “Entender as origens e principalmente os factores que facilitam a dispersão de um vírus pode ter implicações importantes ao nível de saúde pública. Penso que contribui para uma maior visibilidade para a pesquisa na área de HIV em geral. Num outro prisma, penso que o conhecimento das circunstâncias que facilitaram a expansão epidémica pode ser importante para assistir no desenvolvimento de programas educativos e de prevenção”. 

Além deste projecto, Nuno Faria integra equipas em vários outros quadrantes – a evolução de vírus como o VIH, as hepatites C e B ou vírus tropicais, como o dengue e o chikungunya, em articulação com instituições portuguesas, brasileiras, norte-americanas, sul-africanas, entre outras.

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