‘Os tribunais continuam a ser o parente pobre das políticas públicas’

Os juízes estão desde ontem em congresso, para discutir o seu estatuto – que, garante o dirigente sindical, é uma “garantia dos cidadãos e do Estado de Direito”. Incluindo a parte remuneratória. Aqui fica a entrevista a Mouraz Lopes, Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

‘Os tribunais continuam a ser o parente pobre das políticas públicas’

Um dos objectivos anunciados para este 10º Congresso é abrir à sociedade a “reflexão” necessária à “construção de um pensamento em torno do perfil e do estatuto dos juízes”. Porquê? 

O congresso envolve as questões essenciais do exercício da função judicial, como garantia dos direitos dos cidadãos no Estado de Direito e numa sociedade democrática. Tal reflexão, que deverá ser feita pelos juízes e pela sociedade civil, deve procurar entender o que fazem os seus juízes e que a garantia da sua independência é um baluarte fundamental da garantia dos direitos dos cidadãos.

Sente que houve uma degradação da imagem dos juízes nos últimos anos?

A degradação da imagem da Justiça não pode confundir-se com o papel dos juízes e o que deles pensam os cidadãos. Os estudos publicados demonstram que os portugueses confiam nos juízes, ainda que o sistema não funcione correctamente, nomeadamente em termos de celeridade.

O estatuto dos magistrados judiciais está a ser discutido no âmbito de uma comissão nomeada pelo Ministério da Justiça. Quais são as principais alterações que a associação sindical gostaria de ver consagradas?

O estatuto é a espinha dorsal da garantia da independência dos juízes, cuja função essencial é garantir os direitos dos cidadãos. A única preocupação dos juízes deve ser a aplicação das leis, o cumprimento da Constituição e o julgamento dos casos, nada mais. Para se atingir tais desideratos, terá de ser criado um estatuto blindado constitucionalmente. Ou seja, pressupondo um estatuto profissional que seja condigno com a exclusividade e com a restrição de direitos que os juízes têm e com o facto de serem titulares de órgãos de soberania durante toda a vida. As normas internacionais que vinculam Portugal são muito claras em impor ao Estado a existência de um regime remuneratório que garanta suficientemente a independência e a estabilidade das funções judiciais ao longo de toda a carreira. Isto não é uma exigência de classe, é uma garantia fundamental dos cidadãos.

Por que defendem a consagração no estatuto e na Constituição da impossibilidade de redução do vencimento dos magistrados e um aumento anual automático, bem como a independência financeira dos tribunais e do Conselho Superior da Magistratura?

Por causa do princípio da separação de poderes e da independência dos tribunais – exactamente nos mesmos termos que está consagrado nas constituições mais antigas, como é o caso da Constituição americana. 

A ASJP defende a criação de um registo de interesses dos juízes (saber se pertencem a órgãos de clubes, a associações como maçonaria e Opus Dei, etc.)?

O estatuto dos juízes consagra o regime da exclusividade absoluta de funções, como nenhum outro titular de órgãos de soberania. O alargamento, com mais restrições, é matéria passível de ser discutida no âmbito do próximo estatuto dos juízes.

Há um ano pediram a intervenção do Presidente da República para influenciar de forma positiva a dotação orçamental para a Justiça em 2014. O ano está a acabar: pode fazer um balanço?

Continuamos, nesta parte, com um défice de entendimento por parte dos poderes políticos da relevância constitucional dos tribunais. São ainda o parente pobre das políticas financeiras públicas.

A reforma judiciária avançou a 1 de Setembro e o Governo sempre garantiu que haveria todas as condições orçamentais e técnicas para a implementar. Havia?

Essa é uma matéria que a realidade evidencia. Há, naturalmente, limitações orçamentais que condicionaram a sua implementação. 

O que se vive nos tribunais depois de 1 de Setembro é o “caos” ou meros “percalços”, como disse a ministra da Justiça?

Os factos demonstram que os tribunais estão apenas a trabalhar em situação absolutamente deficitária.

Entende que já devia ter havido demissões no Ministério da Justiça por causa do bloqueio do sistema informático (o Citius)?

Essa é uma matéria que não diz respeito aos juízes.

Se o Citius funcionasse, esta reforma seria positiva?

Sempre dissemos que a reforma era – e é – uma necessidade para melhoramento do sistema de justiça. Poderia ter sido feita de outra forma.

paula.azevedo@sol.pt