Costa gere equilíbrios

Os primeiros passos de António Costa depois da vitória nas primárias foram cautelosos, numa gestão de equilíbrios entre costistas, seguristas e socráticos. 

Costa gere equilíbrios

Para já, a estratégia passa por esvaziar a oposição interna e não dar demasiada projecção à ala socrática. O resultado esmagador de Costa é apontado como o principal factor para a união dos socialistas, uma vez que deixou os adversários sem margem de contestação.

“A unidade será natural. Mesmo a maioria dos que apoiavam Seguro achava que Costa era um bom candidato, mas por questões de lealdade e compromissos pessoais estava com Seguro”, afirma ao SOL um dirigente costista. E mesmo que haja excepções “não terão peso na vida quotidiana do partido”, remata a mesma fonte.

Ao nível do aparelho, os presidentes das Federações que apoiaram Seguro deverão optar por enterrar os machados de guerra: “Como suportar uma espécie de oposição interna com resultados de mais de 80%?”, questiona a mesma fonte.

Seguristas discretos

Os seguristas conseguiram um acordo para ficar com um terço dos lugares de direcção. Mas a linha mais dura de apoio a Seguro está, até agora, afastada. Os deputados Mota Andrade, João Paulo Correia, Jorge Fão e Pita Ameixa, seguristas mas discretos, foram os escolhidos para integrar a direcção da bancada parlamentar.

O discurso de vitória de Costa, onde Seguro nunca foi mencionado, pode ser um prenúncio para o peso que o ainda presidente da Câmara de Lisboa pretende dar aos seguristas. Seguro não esteve no Parlamento ao longo de toda a semana e faltou às eleições para a bancada parlamentar. Numa lista que se queria de união, Ferro obteve 69% dos votos, um número expressivo, sem ser esmagador.

Costa puxou para a vice-presidência da bancada o ex-ministro da Economia de Sócrates, Vieira da Silva, que também esteve ao lado de Ferro Rodrigues (o escolhido para líder parlamentar) quando este foi secretário-geral do PS.

Metade da anterior direcção do grupo parlamentar mantém-se, com alguns dos mais próximos apoiantes de Costa, como Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos e Marcos Perestrello. Hortense Martins e Sónia Fertuzinhos também transitam. Inês de Medeiros e Isabel Santos, conotadas com a ala socrática, são as novidades. “Apresento-vos uma direcção do grupo parlamentar que procurei que traduzisse a qualidade e a diversidade que nos caracteriza”, escreveu Ferro, numa carta aos deputados.

Uma das principais armas de arremesso utilizada pelos seguristas durante a campanha nas primárias era a de que Costa constitui um regresso ao passado – ou seja, uma espécie de retorno de José Sócrates. Costa ainda não lhes deu protagonismo na linha da frente, mas o passado não será ignorado.

Sócrates 'é psicose da direita'

“Não há um cordão sanitário em torno de ninguém”, afirma ao SOL o deputado Pedro Alves. “A questão dos socráticos é artificial. Governo e maioria gostam muito de explorar o 'papão' de Sócrates mas isso é uma efabulação, uma psicose da direita”, acrescenta. Um dos socráticos de primeira hora, o deputado Renato Sampaio, concorda que Costa não olhará a esse tipo de questões: “Vai assumir o passado por inteiro, o bom e o mau. Não vai ser sectário e vai escolher os melhores para fazer oposição”.

O primeiro grande teste à equipa escolhida por Costa e ao próprio candidato a primeiro-ministro será o debate do Orçamento do Estado. Terá aqui a oportunidade de fazer uma oposição forte ao Governo – ao invés da “fraca oposição” durante os anos da troika,  como acusou a Seguro  – e mostrar a “verdadeira alternativa”.

Sem Pedro Marques – que vai renunciar ao cargo de deputado -, as outras caras do PS em questões orçamentais têm sido Pedro Nuno Santos e João Galamba,  considerados mais próximos à esquerda e a posições mais radicais. Ferro Rodrigues também terá um papel fundamental (ver texto em  cima). O tom do discurso dos socialistas frente à maioria vai servir para medir o pulso ao PS e desvendar a estratégia de alianças futuras: à esquerda ou à direita.

Sem palco no Parlamento, Costa tem a oportunidade de usar o seu discurso nas cerimónias do 5 de Outubro, este domingo, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, para atacar o Governo e apontar baterias às próximas legislativas.

sonia.cerdeira@sol.pt