João Oliveira: ‘O aparecimento de novas forças políticas não deve assustar ninguém’

Um ano depois de ter assumido a liderança da bancada, diz que a realidade desmente os que viam no PCP um partido do passado. Movimentações à esquerda não incomodam, Marinho Pinto sim.

Porque é que diz que uma exposição de bustos de presidentes da República na AR, que inclui os chefes de Estado da ditadura, contribui para o branqueamento do fascismo?

A preservação da memória do fascismo é essencial para a defesa da democracia e por isso, no PCP, não deixamos de usar imagens de Craveiro Lopes ou Américo Tomás. Agora, uma exposição na Assembleia da República não pode pôr presidentes eleitos e presidentes do fascismo ao mesmo nível, sem contextualização. Há que os diferenciar.

O PCP não corre o risco de aparecer como um partido que quer rever a História?

Esse ónus suportamo-lo bem, se no-lo quiserem imputar, quando o que está em causa é a defesa da democracia.

O João Oliveira completa um ano como líder parlamentar do PCP. O que foi o mais importante deste ano?

A reacção rápida que tivemos que encontrar para o agravamento muito acelerado da situação política, económica e social. Penso que o grupo parlamentar do PCP conseguiu dar uma muito boa resposta.

A sua bancada é agora a mais jovem do Parlamento. À mudança de gerações corresponde uma mudança de mentalidades?

Independentemente da idade, um comunista tem de fazer um esforço permanente de actualização na percepção da realidade. Mas é claro que há problemas dos jovens que compreendemos melhor por sermos jovens também. Seja a realidade dos que se vêm forçados à imigração ou a dos que não conseguem ter meios para constituir família.

No caso Tecnoforma, António José Seguro exigiu o levantamento do sigilo bancário de Passos Coelho. O PCP acompanha essa exigência?

Podemos considerá-la, num quadro de uma futura comissão de inquérito. Agora, o que é urgente é que o primeiro-ministro esclareça porque não declarou no seu registo de interesses a sua actividade no Centro Português para a Cooperação (CPC) e, em relação às despesas de representação que admitiu receber, quais foram os montantes e em que condições as recebeu. São esclarecimentos que o PM está em condições de dar e que são relevantes, nomeadamente, para perceber se há alguma declaração fiscal que devesse ter sido feita, e avaliar se o regime de exclusividade foi cumprido.

Não vê motivos para avançar já com a uma comissão de inquérito?

O PCP quer evitar avançar com uma iniciativa inútil, o que seria caso amanhã o primeiro-ministro viesse prestar os esclarecimentos pedidos. Avançamos agora com um projecto de deliberação para que a AR possa pedir estes esclarecimentos.

Haverá um momento em que o PCP possa pedir a demissão de Passos Coelho, caso a situação não se esclareça?

Há muito tempo que defendemos que o Governo deve ser demitido e devem ser convocadas eleições antecipadas, por causa da política praticada, em confronto e violação da Constituição. Ao degradar a nossa vida democrática, este Governo revela-se incompatível com a garantia do regular funcionamento das instituições. Esta suspeição que está criada sobre o primeiro-ministro é mais um elemento que acrescenta à nossa constatação de que não está garantido esse regular funcionamento das instituições.

Jerónimo de Sousa disse que as eleições primárias do PS eram uma farsa. Que sentido faz pôr em causa a maior legitimação eleitoral de um líder partidário na história da democracia?

O PS diz que elegeu o candidato a primeiro-ministro, que é uma coisa que não existe no nosso sistema político. As legislativas servem para os cidadãos elejam os seus deputados. Daí que o PS tenha encenado uma farsa: não há candidato a primeiro-ministro. Uma farsa que tem subjacente a ideia de bipolarização entre PS e PSD, que procura afastar das opções políticas todas as outras forças. Recusamos todos os caminhos que sirvam para alimentar essa lógica e também a fulanização que lhe está associada, e que degrada o sistema democrático. As eleições servem para escolher projectos políticos.

Ainda que o PS lhe chame candidato a PM, elegeu de facto o seu novo líder. Não dá relevância ao facto de ter sido legitimado por um número record de eleitores?

Tem relevância do ponto de vista interno do PS. Para os portugueses em geral o que é relevante saber que compromissos o PS assume para romper com a política de direita e encontrar uma política alternativa e não só de alternância. Sobre isto não ficámos esclarecidos. Por exemplo, o que faz o PS em relação ao tratado orçamental?

António Costa quer uma aplicação menos rígida do tratado…

Menos rígida? A situação do país não é compatível com situações meias tintas ou perspectivas de mal menor. Esta é uma clarificação urgente. Há outras: qual é a posição do PS sobre as privatizações? E sobre a reposição de pensões?

Que efeitos vai ter a recente fragmentação da esquerda? É um fenómeno que soma ou divide?

O aparecimento de novas forças não deve assustar ninguém, se o objectivo for o reforço da construção de uma política de esquerda. Agora, se o objectivo for o de encontrar novos protagonistas para prosseguir a mesma política, dando ares de esquerda a uma coisa que não o é pelo seu conteúdo, isso preocupa-nos. Sobretudo os que aparecem numa lógica de demagogia e populismo, manipulando o descontentamento dos portugueses.

Marinho Pinto é uma preocupação?

Julgo que sim, é um factor de preocupação. Até olhando para o alinhamento que tem assumido com o PSD e PS e a falta de solidez das suas posições.

A fragmentação da esquerda atinge cada vez mais o BE que tem também sofrido uma corrosão eleitoral. Quinze anos depois, o PCP, que foi visto como um partido de passado, prova que a sua estratégia afinal estava certa?

O PCP não procura construir o seu reforço à custa das fraquezas dos outros. Nos últimos anos, fizeram-se ataques ao PCP que passavam por o identificar como um partido do passado, desligado da realidade, de facto. A verdade é que se provou o contrário. O PCP reforçou-se eleitoral e politicamente. Propostas tidas como irrealistas – como a renegociação da dívida, que apresentámos em 2011, aquando da assinatura do pacto com a troika – são agora consideradas justas e urgentes. A ideia do PCP como partido do passado é um preconceito que a realidade se tem encarregado de derrubar.

O PCP apresentou recentemente um voto de condenação ao Estado Islâmico (EI). O que devem Portugal e a Europa fazer para pôr fim a essa acção criminosa?

É, de facto, uma acção criminosa que inclui uma tentativa abjecta de projecção mediática, com a divulgação de imagens de decapitações. Tem de se evitar uma nova intervenção militar, porque são as acções militares a origem do que se está a passar.

Quando o EI faz progressos militares, havendo o risco de massacres, a resposta deve ser apenas diplomática?

As acções militares que estão em curso não deviam acontecer. Aqueles que armaram e financiaram estes grupos que desenvolvem esta acção bárbara são os mesmos que, a pretexto do combate a esses grupos, se preparam para intensificar a desestabilização na Síria…

É verdade que é fácil perceber onde está o PCP colocado numa qualquer questão internacional: basta ver onde estão os EUA que o PCP está do outro lado?

A solidariedade do PCP vai para onde haja resistência à tentativa de hegemonia do imperialismo americano. 

manuel.a.magalhaes@sol.pt