Denzel Washington: ‘Tento fazer o bem todos os dias’

‘The Equalizer – Sem misericórdia’, o novo filme de Denzel Washington, foi o pretexto para uma conversa animada com o actor sobre a arte de representar e a paixão pelo palco. O filme já em exibição é inspirado numa série de TV exibida em 1980. Com grande liberdade criativa ele desenvolve uma personagem inquieta, de…

‘The Equalizer – Sem misericórdia’, o novo filme de Denzel Washington, foi o pretexto para uma conversa animada com o actor sobre a arte de representar e a paixão pelo palco. O filme já em exibição é inspirado numa série de TV exibida em 1980. Com grande liberdade criativa ele desenvolve uma personagem inquieta, de poucas falas e que não se conforma com as injustiças, especialmente quando envolvem alguém próximo

O novo filme em que participa e produz ('Equalizer – Sem misericórdia') volta a  representar um herói duro, pronto para acção e vingança. Curiosamente é um actor que tem demonstrado uma grande paixão pelo palco com regressos frequentes nos últimos anos. 

Eu comecei no teatro, esse foi o meu primeiro amor na representação. Foi no palco que comecei a carreira de actor profissional e digo que ainda adoro de igual forma o teatro. Durante anos não pude fazer nada na Broadway por razões familiares, os meus filhos eram muito pequenos e por isso não podia estar a fazer corridas permanentes entre Los Angeles e Nova Iorque. Agora como eles já são grandinhos, nos últimos nove anos fiz nove peças de teatro na Broadway. Adoro mesmo aquele ritual do palco, a plateia. Dá muito trabalho…

Vi a última representação que fez em Nova Iorque, 'A Raising in the sun'.

A sério? Esteve lá? É uma grande peça e tinha uns desempenhos fantásticos daquelas três mulheres a Sophie, a La Tanya, a Anica Noni Rose. Todas incríveis. O teatro é algo que me ajuda, é como voltar ao passado. Dá muito trabalho, mas  ajuda a desenvolver aqueles músculos do pensamento a ter um método. No fundo, lembra-me o que é genuinamente a arte da representação.

Mas é um processo completamente diferente para um actor.

Não diria completamente diferente, mas obriga-nos  a trabalhar para o todo. Num filme gravamos duas ou três páginas do argumento num dia. Numa peça o processo é diferente, diria que faz bem à mente, obriga a exercitar o músculo que é o nosso cérebro. É um exercício curioso ter que criar os ambientes, imaginar tudo aquilo e, acima de tudo, recordar todas as linhas, todas as falas.

Há uma resposta de todos os actores que passam pelo teatro que me impressiona nessa relação com a paixão de representar. Dizem que nunca é a mesma coisa, mesmo repetindo todos os dias.

É verdade, o texto é o mesmo mas todos dias conseguimos uma nova abordagem, nos tempos, nas pausas, nas reacções. É muito mais dinâmico com o público do momento. A plateia é diferente, é mais ou menos entusiasmada e reage de forma diferente aos vários pormenores da peça…

Com essa experiência de anos tenho uma curiosidade sobre a relação dos actores com a personagem. Fala com 'ela' quando lê o argumento?

Se falo com a personagem? Bem, espero bem que seja ela a falar comigo. No fundo, é cada um de nós que desenvolve a personagem. É também por isso que, por vezes, gosto de voltar ao teatro, porque aí temos de nos focar em desenvolver a personagem. No cinema o processo é um pouco diferente. Por exemplo, neste filme 'Equalizer – Sem misericórdia' havia muitas coisas que não estavam no argumento original.

Mas refere-se a quê? Gestos, formas de olhar?

 Sim, sim. O que não está bem claro na descrição da personagem somos depois nós actores que lhe emprestamos o corpo. Estou a lembrar-me que na preparação criámos aquela sensação obsessiva que o Robert tinha de dobrar o guardanapo, e de colocar tudo direitinho. Isso é o trabalho de preparação, a vontade de dar densidade à personagem, muda de uns para os outros. No fundo, espero criar aquela pessoa, perceber. Neste caso, em que ele teve algum trauma na vida, ele tenta reprimir sem que o espectador veja ou sinta de uma forma muito clara. Isso é o que entendo por diálogo com a personagem, essa construção que se faz.

É esse trabalho de preparação que está no centro do desenvolvimento da personagem? Qual o papel do realizador e do argumentista nisso?

 É sempre um trabalho de equipa, mas é o actor que no final lhe empresta gestos, expressões. Tudo passa pelo actor, dirigido é certo, mas é esse o trabalho dele. É essa capacidade no trabalho de interpretação que me encanta de verdade até porque nos dá a possibilidade de fazer todos os dias diferente. Repara que eu posso viajar para sítios fantásticos, pilotar aviões, 'conduzir' comboios. É uma profissão fantástica. Li o argumento e por isso não corro riscos nesse trabalho [risos], sei como acaba e sei que vou ganhar nas últimas cenas [risos]. Mas também faço e desenvolvo outras personagens, os mauzões, como em 'Dia de Treino'. Sei sempre antes de todos como aquilo acaba.

Tem feito nos últimos tempos mais filmes de acção. Este é mais um filme de acção?

 Eu não uso a palavra acção, há uma tendência para catalogar os géneros de filme de uma forma simples: acção, etc. Digo sinceramente que não sei o que é um filme de acção. Só descubro a personagem, o que faz e porque faz. Lembro-me que o Antoine [o realizador] dizia durante as filmagens: 'Estas não são cenas de acção, são cenas dramáticas'. Gosto dessa ideia em que se desenvolve fisicamente esse dramatismo com mais acção, é verdade, mas num envolvimento com as coisas em redor.

Este Robert, esta personagem que desenvolve para este filme Equalizer, é um homem bom?

Como te disse não quero categorizar, ninguém é totalmente bom.

Nem o Denzel, nem eu?!

Nós tentamos. Eu tento fazer o bem todos os dias. Devemos começar tudo de novo todos os dias e com essa preocupação: 'estou a ser uma boa pessoa'.

A personagem tem algo em comum consigo uma vez que teu uma dupla atitude. Por um lado um homem comum e por outro um justiceiro?

Acho que todos nós temos sempre pelo menos duas faces. A pública e a privada. No fundo, acho que ninguém está plenamente satisfeito com aquilo que é. Cabe a todos melhorar sempre. Acho que todos nos devemos esforçar por encontrar paz e equilibrar a nossa vida.

Como vê Hollywood actualmente?

Há lugar e filmes para todos. Quando olho para os grandes estúdios e a produção que fazem, tento perceber o estado actual da indústria e vejo que, por exemplo, a Disney encontrou o seu nicho, cresceu com os seus super-heróis e criações de animação. Temos depois a Marvel, muito focada num tipo de super-heróis. Por exemplo, em estúdios como a Paramount conseguimos fazer um filme como Viagem de Risco e que obteve um assinalável êxito. Outro estúdio certamente não apostaria nesse filme. Diria que,  mais do que nunca, há espaço para tudo. Estou a lembrar-me dos filmes independentes que abordam temas e várias coisas fantásticas…

Este filme é baseado numa série antiga de televisão. Poderá ter novos episódios, uma continuação?

 Não sei, será o público a decidir isso. Depois, se alguém escrever um bom argumento, talvez.