O monólogo do corpo

Aos 27 anos, Sara Carinhas já não é uma desconhecida no mundo do teatro. Nascida no seio de uma família ligada às artes – o pai é o actor e encenador Nuno Carinhas, director artístico do Teatro Nacional São João, e a mãe a bailarina e coreógrafa Olga Roriz -, teve a primeira experiência como…

Já no teatro, as suas participações começaram por convites. “Infelizmente no nosso país é muito raro haver audições para teatro”, lamenta. Um dos primeiros partiu da actriz e encenadora Fernanda Lapa, para integrar o coro da peça Medeia, em 2006. Dessa experiência, a actriz recorda sobretudo as conversas fora de palco com a veterana Manuela de Freitas. “Partilhou comigo algumas das suas ideias sobre o que era sagrado no teatro. Por exemplo, que não se deve comentar fora de palco, mesmo entre colegas, aquilo que é construído em cena”.

Aos poucos, as interpretações de Sara foram chamando a atenção de outras pessoas no mundo do teatro e surgiram novos convites. Das várias peças em que participou destaca as realizadas no Teatro Nacional São João, no Porto, pelo ambiente vivido entre os actores da companhia. “Aquela casa tem um abraço diferente. Tem uma energia, uma forma de estar e uma generosidade que não se encontra em mais lado nenhum”.

Apesar de ter começado no mundo da sétima arte, Sara rapidamente escolheu a sua casa: “O teatro é a minha praia enquanto actriz, encenadora e espectadora. É extremamente humano, são pessoas em frente a outras pessoas. Já o cinema escapa-me um bocadinho, não fiz filmes suficientes para o conhecer bem”. Ainda assim participou em longas-metragens como ‘Coisa Ruim’, de Tiago Guedes – a sua segunda experiência enquanto actriz -, ‘O Estranho Caso de Angélica’, de Manoel de Oliveira, e ‘As Linhas de Torres’, realizado por Valeria Sarmiento e que contou com a participação de Catherine Deneuve e John Malkovich.

Foi precisamente através deste mundo que diz não compreender que ganhou o Prémio de Jovem Talento L'Oréal Paris, do Estoril Film Festival pela sua actuação em ‘Coisa Ruim’. “Com o dinheiro desse prémio, parti por impulso para Nova Iorque para seguir uma professora russa que tinha conhecido cá”. Uma experiência de seis meses que recorda como um momento de aprendizagem e de crescimento, em especial pelos encontros de partilha entre actores. “Em Nova Iorque, estamos a ter uma aula com um professor e entra a Juliette Binoche [actriz francesa] para fazer um aquecimento. É a coisa mais natural do mundo”, conta a actriz.

Neste momento, está a complementar a sua formação com uma licenciatura em Estudos Artísticos na Faculdade de Letras, em Lisboa. “Precisava de teoria, mais do que de ter aulas práticas. Como actores, acabamos por trabalhar autores e épocas específicos, e a faculdade dá-nos a conhecer outras realidades e a organizar aquilo que já conhecemos”.

Até domingo, estará em cena com ‘A Farsa’, baseada na obra de Raúl Brandão, na Sala Estúdio do Teatro Dona Maria II, em Lisboa. É o seu primeiro monólogo, um trabalho que descreve como “das coisas mais incríveis, difíceis, exigentes e ao mesmo tempo bonitas que já fiz”.

Criada pelo encenador Luís Castro, trata-se de uma peça de carácter expressionista em que a actriz usa o seu corpo – umas vezes nu, outras vezes vestido – “como metamorfose” para encarnar várias personagens. Alguns momentos passam “por uma performance mais física, quase coreográfica, sem texto e sem emoção, até chegar a uma cena emocional, teatral e com lágrimas de verdade”. Um conceito denominado perfinst, que junta performance – a actuação – e a instalação. “É uma linguagem não convencional e que exige muito do actor e do público. Há quem goste e quem fique irritado. Já ouvi um espectador, no início do espectáculo, dizer para outro: 'Vai ser assim o espectáculo todo?'“.

Este trabalho do corpo enquanto linguagem do actor é algo que Sara tem vindo a desenvolver ao longo da sua carreira. “Acho que o corpo geralmente está um pouco adormecido, portanto tentei sempre criar uma relação com o meu figurino e com a forma como o corpo pode falar”. Sara Carinhas considera que “é possível encontrar um ponto em que, enquanto intérprete, a dança e o teatro se tocam”.

Exemplo disso foi a produção que encenou no ano passado, ‘As Ondas’, baseada no texto da escritora inglesa Virginia Woolf. “É um espectáculo em que as palavras são tão importantes como o silêncio ou a dança”. Uma peça que vai estar em digressão em Santiago do Chile e em Lisboa – em Janeiro, no São Luiz -, com uma possível passagem pelo Porto. No início do ano poderemos vê-la de novo no Teatro Dona Maria II, numa grande produção da obra ‘Cyrano de Bergerac’. 

rita.porto@sol.pt