A bandeira que deu bolada em Belgrado

Visita histórica de um dirigente albanês à Sérvia em risco, após os incidentes provocados pelo episódio do drone  com a bandeira nacionalista albanesa. Rivalidades étnicas de novo à tona.

A bandeira que deu bolada em Belgrado

Um jogo de futebol entre selecções nacionais degenerar em guerra não é uma ideia fantasiosa. Já aconteceu em 1969, entre El Salvador e as Honduras, e ficou para a História como a Guerra do Futebol ou a Guerra das Cem Horas. O conflito armado causou quase dois mil mortos. Na noite de terça-feira, em Belgrado, juntaram-se os ingredientes para que um novo conflito possa fermentar.

«Durante umas horas pensei que estava a viver um pesadelo», comentou o seleccionador da Albânia, o italiano Gianni De Biasi. Segundo a polícia, um pequeno drone (aparelho voador sem piloto) levantou voo do telhado de uma igreja ortodoxa junto ao estádio do Partizan. Já dentro do recinto deu várias voltas com uma bandeira que incluía fotografias de dois heróis da guerra da independência albanesa contra o Império Otomano e um mapa da chamada Grande Albânia, uma pretensão territorial de nacionalistas albaneses que abarca o Kosovo e partes de Montenegro, Sérvia, Macedónia e Grécia.

A partir do momento em que um jogador sérvio pegou na bandeira instalou-se a confusão, com os atletas albaneses a quererem proteger a bandeira e com a entrada de adeptos sérvios (vândalos de extrema-direita bem conhecidos pelas autoridades), terminando em cenas de violência que percorreram o mundo.

As rivalidades entre sérvios e albaneses são antigas de séculos e tiveram o mais recente capítulo a partir dos anos 90, quando o último líder da Jugoslávia, Slobodan Milosevic, retirou parte da autonomia de que gozava a província kosovar. Os ânimos entre sérvios e albaneses exaltaram-se ao ponto de terem desembocado na Guerra do Kosovo, em 1998-99, a qual terminou com a intervenção da NATO.

Hoje o Kosovo é um país de facto independente, mas não reconhecido quer pela Sérvia, quer ainda por outros 87 países. Já a Albânia passou a membro da NATO em 2009 e em Junho foi anunciado que o país é candidato oficial a aderir à União Europeia (o que não deverá acontecer nos próximos anos). Quanto à Sérvia, a candidatura oficial à família europeia, em 2011, foi reforçada com o Acordo de Bruxelas, em 2013, entre Belgrado e Pristina (normalização de relações entre Sérvia e Kosovo). Em Janeiro iniciaram as negociações oficiais entre a União Europeia e a Sérvia.

Mas o processo de pacificação dos Balcãs pode estar em causa, na véspera de uma visita histórica a Belgrado por parte do primeiro-ministro Edi Rama, a primeira de um líder albanês em 70 anos. Rama que não se conteve mo Twitter, ao comentar o «orgulho e a alegria» que os jogadores albaneses lhe deram, viu o seu irmão Olsi ser acusado pelos sérvios de ter sido o autor do ‘ataque’ do drone. O primeiro-ministro sérvio Aleksander Vucic, um nacionalista reciclado em europeísta, disse que o incidente tinha o objectivo de «causar instabilidade a longo prazo na Sérvia e nos Balcãs» e de «humilhar» os sérvios. Já o Presidente Tomislav Nikolic, presente no estádio, afirmou que o sucedido foi «uma tentativa de assassínio contra o estabelecimento da amizade entre a Sérvia e a Albânia». «Só faltou um engenho explosivo no drone», comentou.

Amizade russa

Com o orgulho ferido, a Sérvia recebeu ontem Vladimir Putin. Com a pompa e circunstância de uma parada com milhares de soldados para comemorar os 70 anos da libertação de Belgrado dos nazis por parte do Exército Vermelho e pelos partizans jugoslavos (uma celebração antecipada quatro dias para coincidir coma agenda do Presidente russo), os sérvios ouviram palavras solidárias de um velho aliado. Putin reiterou que Moscovo não irá mudar de posição face ao Kosovo, não só pela amizade de ambos os países, mas também por uma questão «legal e de justiça», segundo a TASS.

Esta visita é o mais recente capítulo de algum mal-estar entre Bruxelas e Belgrado. O Governo de Vucic recusara-se a juntar às sanções impostas pela UE à Rússia – alegou então que o país, já em dificuldades económicas, sofreria muito com essa tomada de posição. Outro tema que divide as instâncias europeias e o Executivo sérvio é o projecto do gasoduto South Stream, que prevê abastecer a Europa passando ao largo da Ucrânia.

cesar.avo@sol.pt