A aflição que lhe li na voz apagou as frases irónicas que me ocorreram. Respondi-lhe: “Por que pergunta?”, e a mulher explicou-me que tinha a pensão e as poupanças, ou o que delas restava, no BES, que agora já não era BES. “E não sei o que fazer, menina. Ia tirar tudo de lá, mas a minha vizinha diz que não vale a pena, porque sabe-se lá se amanhã não acontece uma desgraça a outro banco, e este vai agora ser salvo. Por acaso sabe se vai mesmo?”.
Voltámos a ser um povo amedrontado.
Nunca deixámos de o ser por completo; os portugueses destemidos voam para longe do país para não se deixarem abater pelo peso bruto do medo. Mas sempre encontrávamos alguém ou alguma coisa em que confiar.
De repente, Portugal é uma caravela romba, sujeita aos caprichos do mar. O país sobreviveu a inúmeras guerras, prepotências e catástrofes por ter sabido cultivar um sentido de imortalidade. Os portugueses sempre se criaram numa ardilosa mansidão que os previne contra o pânico e a desistência pelo menos tanto quanto os impede de concorrerem para os pedestais da eficiência máxima. Mas sempre havia um qualquer farol, palavras que duravam.
Hoje as palavras não duram. O primeiro-ministro e a ministra das Finanças afirmaram taxativamente que os contribuintes não iriam pagar a derrocada do Banco Espírito Santo – e agora dizem que afinal podem ter de pagar.
O ministro da Educação disse e repetiu que o ano escolar arrancaria tranquilamente nas datas previstas – e, um mês depois, a saga da colocação dos professores ainda não está resolvida, e muitas escolas começam a preparar-se para cortar parte dos programas.
A prometida reforma judicial paralisou, porque emperrou o programa informático anunciado como modelo de excelência e eficácia.
Os ministros pedem desculpa, porque podem. Os alunos não passarão de ano se escreverem nos exames: “Desculpe, essa parte da matéria não chegámos a dar”. As desculpas não farão com que a Justiça acuda aos que dela necessitam. As desculpas não substituem o pão na casa dos contribuintes sacrificados aos desvarios dos banqueiros. É tempo de dizer, com firmeza: “Não pagamos”.
A capacidade de liderança começa pelo poder de tranquilizar os cidadãos. Realizar um Conselhos de Ministros de 18 horas, ao sábado, amplia a sensação de angústia e inquietação geral. Dizer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário é quebrar o contrato de lealdade sem o qual não é possível levar nenhum projecto até ao fim.
“Em quem posso confiar, menina?” – perguntava-me a mulher desconhecida, na carruagem de Metro quase vazia.
Chamava-me 'menina' porque me encontrava serena, disponível para ouvir os seus males. A atmosfera de emergência em que nos querem obrigar a viver tira-nos a serenidade para escutar, ponderar, respirar fundo, tomar decisões e sorrir.
Tira-nos, numa palavra, a liberdade. Ora, sem isso, nada se faz.