Um dia as vítimas seremos nós

Peter Beard, que viria a tornar-se um fotógrafo e artista de renome, visitou a África Oriental pela primeira vez em Agosto de 1955, ainda antes de entrar para a universidade. Na altura, diz, “esta era uma das áreas mais ricas em vida selvagem na história do mundo”. Pouco tempo depois Beard adquiriu uma propriedade contígua…

Antes disso, dos 20 a 30 milhões de bisontes que havia na América do Norte, em 1889 restavam pouco mais de mil. Carnificinas deste género verificaram-se, portanto, um pouco por todo o globo. E aí está uma notícia trágica a comprová-lo: 'Terra perdeu metade dos animais'. Segundo o site do SOL, "o relatório Living Planet […] concluiu que em menos de duas gerações humanas a população de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes diminuiu para menos de metade. No mesmo período, a população humana quase duplicou".

Tornei-me mais sensível a estas questões quando visitei o Quénia em lua-de-mel em 2007 e fiquei perfeitamente deslumbrado com a riqueza daquela terra. A viagem começou pelo Parque de Tsavo, o mesmo onde esteve Peter Beard. Ali as refeições eram servidas num terraço de madeira com vista para um charco onde zebras, macacos, elefantes, gazelas e facoqueiros, ou javalis africanos, iam beber água. Foi inesquecível ver aqueles animais tão perto. Mas até a simples cor daquela terra desperta sentimentos fortes e complexos.

Desde então eu e a minha mulher ficámos com um desejo intenso de voltar ao Quénia. Mas enquanto não tem sido possível realizar esse desejo, vamo-nos contentando com documentários televisivos sobre a vida e os hábitos dos animais. Normalmente só se fala no efeito embrutecedor da TV e na falta de qualidade dos programas que passam, mas eu tenho uma perspectiva diferente: vejo-a como um poderoso instrumento de educação através do qual tenho aprendido muito.

É justo dizer que vivemos hoje uma época de ouro do cinema documental – e, em particular, dos documentários sobre a vida selvagem. Equipamentos de uma sofisticação sem limites (aliados a uma paciência sem limites dos operadores de câmara, que de centenas de horas de filmagens aproveitam uns meros minutos ou segundos) têm permitido captar momentos nunca antes vistos. Há dias vi no pequeno ecrã uma raposa do deserto a perseguir um jerboa (um roedor com orelhas grandes e pernas de canguru). Testemunhar momentos como este faz-nos sentir gratos. E privilegiados por podermos partilhar o planeta com seres 'do outro mundo', passe o paradoxo.
Infelizmente há outra coisa que torna estas imagens preciosas: o jerboa é um dos animais que poderão desaparecer nos próximos tempos.

Estamos a esgotar os recursos da Terra a uma velocidade assustadora. Por enquanto, a vida selvagem tem sido a grande prejudicada – e isso já por si é trágico. Mas chegará o dia em que as vítimas seremos nós.