Quem é o ‘patrão’ da Criada Malcriada?

Ela fala sobre o BES, a crise financeira, o Governo…  tudo e mais alguma coisa. Tem opiniões sobre todos os temas. E é isso que lhe dá graça. 

A Criada Malcriada, uma página no Facebook focada na “crítica mordaz de costumes”, tem quase 70 mil ‘gostos’ e faz as delícias dos apreciadores de tiras humorísticas.

O SOL falou com o autor desta página, um homem que não quis ser identificado, mas que já foi entrevistado pela edição russa da Vanity Fair, e sonha ser detido à porta de casa. 

Não conseguimos confirmar nada disto. Só damos uma garantia: A pessoa que entrevistámos é mesmo o autor da Criada Malcriada – falámos com aquele através da própria página no Facebook.

1 – Como e quando surgiu a ideia de criar esta personagem?

Acho que estava fila para pagar a luz na Loja do Cidadão dos Restauradores (que, infelizmente, já não existe, o que obriga a quem quiser renovar o cartão do cidadão ou registar a namorada cubana no SEF a ter de se deslocar às Laranjeiras. Mas isso já era assunto para outra entrevista). [Entretanto, acende um cigarro e fica pensativo durante uns vinte minutos]. 

Espere, já sei. Creio que já tinha respondido a isso na edição russa da Vanity Fair. Estas personagens e as tiras, é tudo roubado de um site venezuelano que encontrei na net. Eu só copio os desenhos, traduzo as falas e publico como se tivesse sido eu a fazer. 

Brinco. A página começou pelo nome. Achei graça e contei a um amigo, para ver se ele também achava graça. Não achou, mas sugeriu que eu criasse uma página no Facebook. Ainda que seja a resposta que ele dá a tudo o que se lhe diz (por exemplo, se lhe ligarem a queixarem-se de uma dor de cabeça, ou a pedir o número de um mecânico, ele sugerirá, invariavelmente, que o melhor é abrir uma página no Facebook), resolvi seguir o conselho.

Depois de criar a página, tive de pensar no que lá haveria de pôr. Como não sei desenhar, achei que era uma boa escolha fazer desenhos. Tentei primeiro desenhar uma girafa e um panda. Estava bastante contente com o resultado, até que, numa conversa leve e descomprometida, a minha Mãe me disse: “Podes dizer que isso é uma girafa e um panda. Podes até dizer que isso é a Torre Eiffel e o Waldorf Astoria. Podes até dizer que isso é uma árvore de Natal e um barril de cerveja. Mas o que isso é mesmo, desculpa lá, é uma senhora e uma criada”. A minha Mãe tem muito olho para estas coisas. E também é assim meia new age, mas isso já não tem a ver com esta história. No entanto, não me surgiu logo a ideia de criar esta personagem. Surgiu quando a minha Mãe me perguntou: “Porque é que não crias esta personagem?”.      

2 – Quando surgiu a primeira tira?

No sentido literal, no dia 10 de dezembro de 2012. No sentido figurado também, porque foi nesse dia que tive a tal conversa com a minha Mãe. Se calhar, isto não faz muito sentido, mas nunca percebi muito bem como é que se usa essa expressão do sentido literal e do sentido figurado. Peço desculpa pelo incómodo, como costuma aparecer naquelas placas quando há obras na estrada, sabe? Bom, já com as personagens criadas, só faltava surgir a primeira tira.

Depois de algum tempo a pensar no assunto, a primeira tira surgiu assim quase de repente. Foi uma coisa tão inesperada, tão assim de dentro, que deixei cair o cigarro que estava a fumar, meio assustado. Já tenho lido que há muitos escritores a quem acontece o mesmo. Aquilo de as ideias lhes virem assim de repente, sem estarem à espera, não a parte de deixarem cair o cigarro. Quer dizer, se calhar isso também acontece, mas eles não falam disso nas entrevistas. A maior parte dos escritores são um bocado cagões, e devem ter medo que as pessoas fiquem a achar que eles depois apanham o cigarro do chão e continuam a fumar como se nada fosse. 
E depois da primeira tira, veio a segunda, e depois a terceira, bom, e como calcula, as outras todas que hoje são mais de seiscentas.

3 – É responsável tanto pelos textos como pelas ilustrações?

Em termos criminais, penso que sim. Tem graça que a minha formação original é em Direito, apesar de nunca ter exercido (não acabei sequer o curso, na verdade, mas gosto muito deste “apesar de nunca ter exercido” que as pessoas costumam dizer de várias profissões, e que quer sempre dizer que nunca arranjaram foi trabalho. Não é?)  

Estava a armar-me em parvinho. O que me quer perguntar é se sou eu que faço os desenhos e depois, ainda por cima, faço os textos? Sou. Confesso. Sou. 

4 – Onde vai buscar inspiração para criar as suas publicações?

Já não vou buscar a lado nenhum. Agora tenho um tipo a quem ligo e ele vem trazer cá a casa, de mota. A qualquer hora. Isso de ir buscar é muito Casal Ventoso anos oitenta. Já não se usa nada. Se precisar, posso dar-lhe o número dele. Não é barata, mas vem pouco cortada. Diga que vai da minha parte. 

5 – Porquê o nome ‘A Criada Malcriada’? Porque é que a criada tinha que ser ‘malcriada’ e não outra coisa?

Adoro a sonoridade. Criada Malcriada. Não é óptimo? Eu acho. Diga lá três vezes e muito depressa A Criada Malcriada. Está a ver? É giro não é? Por isso, tinha de ser sempre assim, com esses jeu de mots, como dizem os alemães. Como A Sopeira Soporífera, O Mordomo Obeso Mórbido, A Engomadeira Emagrecida, A Estalajadeira Estapafúrdia, A Merceeira Mercenária, A Professora Que Foi Colocada a Seiscentos Quilómetros de Casa Mas Que Foi Uma Obra Que Lhe Fizeram Porque Conseguiu Fugir de Bragança Para Lisboa E Pelo Caminho Livrar-se De Um Marido Chato Como A Potassa E Do Raio Dos Filhos Que Só Lhe Davam Era Chatices. E por aí.   

6 – Por vezes a patroa é mais malcriada que a própria criada…

Que a própria DA criada. A pergunta devia acabar em “que a própria DA criada”. Soa melhor. Eu acho que nenhuma das minhas personagens é malcriada, sabe? Defendo-as muito. Têm lá as coisas delas, mas até são umas queridas. São perspectivas diferentes de ver o mundo que elas têm, e que às vezes chocam um bocado uma com a outra. Mas malcriada nenhuma delas é.

Estou a entrar consigo! Sim, é verdade, a Senhora às vezes é ordinaríssima. Adoro!    

7 – Como classifica o seu tipo de humor?

Numa escala de 0 a 10, ou assim com adjectivos?

Olhe, quando fui registar os direitos do nome (sim, escusam de ter ideias), a funcionária disse-me que tinha de descrever o que era aquilo. Respondi-lhe, “sei lá” e ela “sabe lá, não” e eu “sabe lá não, isso é maneira de falar a alguém?” e ela “ai, desculpe, hoje estou um bocado enervada” e eu “está bem, mas as pessoas é que não têm culpa nenhuma” e ela “pois, tem razão” e eu “bom, onde é que nós íamos” e ela “tem de descrever o que é isto”. E eu, assim a fazer a graça, disse-lhe, “olhe, ponha aí que é uma crítica mordaz de costumes”, como se fosse aquelas coisas dos Parodiantes ou assim. Comecei a rir e achei que ela ia achar imensa graça. Acredita que nem um sorriso esboçou? E escreveu aquilo mesmo. Por isso, oficialmente, o meu tipo de humor é esse. 

8 – Entretanto começou a divulgar o seu trabalho numa publicação. O seu número de fãs aumentou, ou o Facebook é de facto a sua maior ‘rampa de lançamento’?

Já estou como a minha porteira costuma dizer: “Olhe menina, isso já não sei precisar”.

São coisas bastante diferentes. Gosto muito de fazer as duas coisas. As tiras da revista são a cores, o que foi um desafio novo, até porque sou eu que as pinto (podia dizer que era à mão, mas não gosto de mentir, que dá mau karma. É com um editor de imagem que é só um furo acima do Paint), e chegam também a outro público, que não usa, ou não gosta, ou não quer, ou não precisa, ou odeia, ou outra coisa qualquer o Facebook. E claro que também terá dado a conhecer a página a muita gente. Mas depois, tenho um carinho enorme pela página. Eu disse mesmo “tenho um carinho enorme”, ou só pensei? Não escreva isso, por favor. Não quero que os leitores achem que sou um possidónio. Mas foi na página que a Criada começou, e gosto de pôr tiras novas sempre que posso (leia-se, sempre que me apetece).     

9 – Alguma vez teve que lidar com fãs ofendidos? Existe algum episódio caricato?

Sabe que não? A página está quase a fazer dois anos, e nunca tive nada disso. Esse é, aliás, o meu maior desgosto. E é a única coisa que não perdoo aos… como é que se diz… fãs é péssimo dizer. Como é que se chama às pessoas que gostam da página? Ah, sim, é isso, às pessoas que gostam da página.

Há uns temas que deixam as pessoas mais agitadas, por dizer-lhes mais respeito. Mas acaba sempre por prevalecer a capacidade que têm de se rir de si mesmas. Mesmo quando a intenção é eu rir-me delas.  

10 – Que informações sobre si é que pode revelar?

Por acaso vou revelar uma coisa. Completamente de borla. Ou em troca de uma assinatura anual do SOL. A menina é que sabe. Cada um fica com os pesos que quiser na consciência. Tenho outra página no Facebook, chamada Cavaca Para Presidenta. Pode ir espreitar.

Queria muito um processo judicial, ser preso e algemado à porta de casa (de preferência num dia de chuva) e aparecer isso tudo na televisão. Anseio pela fama que isso me traria. Um contrassenso, sendo eu anónimo? É uma boa pergunta, que a minha terapeuta me faz muitas vezes. De resto não há mais nada sobre mim que lhe pudesse interessar. Quer dizer, digo eu. Bom, em todo o caso, fique aí com o meu número de telefone. 

11 – A criada malcriada é um projecto para continuar?

Sempre. Já tenho vários projectos para o próximo ano, para além de continuar com as tiras na revista (aquela que não posso dizer o nome por causa da concorrência e assim, mas que quem não souber ainda, basta procurar no Google. Se eu não soubesse, era o que faria).

Está também a ser preparado mais um livro, e outras coisas mais de que agora não posso falar, mas que vai ser do caraças.

Ah, e sou capaz de apanhar esta onda nova que há e fazer uma versão zombie da Criada, para atrair ainda mais sociopatas para a minha página.

Devo dizer-lhe que conto em 2016 já poder viver exclusivamente disto. Ainda não sei bem como, mas lá chegarei. Olhe, como se costuma dizer, sempre é melhor que andar por aí a roubar. 

joana.alves@sol.pt

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