As culpas de S. Pedro…

Sem ‘solução’ para as inundações que castigam e paralisam a cidade quando cai uma chuvada mais forte, António Costa já ensaia os primeiros passos para se libertar das maçadas de ser autarca, assumindo que é capaz de governar o país quando deixa Lisboa sem obra que se veja.

Há um contraste evidente entre o ainda autarca e o putativo candidato a primeiro ministro, entronizado em breve como líder do PS, com oficiantes já declarados, dos socráticos aos soaristas, com os ferristas a fechar o cortejo – se ainda sobejar algum no Largo do Rato.

A reverência mediática – incluindo boa parte do país dos comentários – acicata-lhe a displicência.

Para o presidente do Município, não há plano de drenagem que salve a cidade de andar com água pelo joelho, se a pluviosidade for mais intensa. Impassível, proclama que “não existe solução” para as cheias. E passa adiante.

Afortunadamente, não dirige os destinos de Veneza, Amesterdão ou Belém do Pará…

Ninguém o pode culpar pela ignorância em matéria de drenagem. É para isso que o Município dispõe de quadros técnicos. Se não bastassem os que tem por casa, o autarca poderia ter convocado uns quantos engenheiros de boa vontade para lhe ensinarem o caminho.

Mas não. Preferiu culpar os meteorologistas. E ironizar com o “estatuto de imunidade” de S. Pedro – que “está acima das responsabilidades”. Se o santo o põe ao espelho…

Dantes, os editores dos jornais, quando o Inverno chegava, rejubilavam com as inundações garantidas na zona de Santa Apolónia. A primeira página estava resolvida.

Para seu desgosto, fizeram-se obras e acabou o maná noticioso. Costa devolveu-lhes essa alegria, com juros de mora. Agora, em versão alargada às artérias nobres da cidade e à Baixa pombalina. Um problema menor.

E daí – já vestido de líder da oposição -, mudou de agulha e, em vez de convocar engenheiros, reuniu à sua volta três dezenas de economistas paroquiais, com o louvável objectivo de validarem uma decisão já tomada: o voto do PS contra o Orçamento do Estado.

O conclave permitiu-lhe afirmar, convicto, que “este Orçamento não tem qualquer sinal de inversão da política económica, sendo o último de um Governo esgotado e sem soluções”.

O mesmo homem sem solução para as cheias da cidade, já se sente ungido para arrasar as contas do Orçamento. Como de costume, sem se comprometer com nada.

O truque do discurso redondo, à margem de compromissos, funcionou, como se sabe, durante a campanha das primárias do PS.

Mereceu um cheque em branco dos crentes que o elegeram. Há missas assim: o celebrante alinha frases feitas e a assistência acha que foi uma bonita homilia.

O problema é que o país não se resolve com a fé dos devotos, nem à mesa da Quadratura do Círculo, com Pacheco Pereira a atiçar as brasas.

O mais recente “descalabro das contas públicas portuguesas – di-lo Catroga em entrevista ao i – foi de 1996 a 2010”.

Durante esse longo período, o poder socialista só mudou de rostos, desde o pântano de Guterres ao precipício de Sócrates. É essa a herança que se tenta esconder no baú. Com seriedade, convirá não insistir na solução de sacudir a água do capote…