Limites do mercado e do Estado

A crise financeira global, desencadeada nos Estados Unidos em 2007, tornou evidente o que alguns tentavam ignorar ou mesmo negar: os mercados frequentemente não se auto-regulam. As falhas dos mercados requerem intervenções estatais. E não apenas as falhas económicas, também as falhas em matéria de ética social. No mercado, cada pessoa (o consumidor) vota, mas…

Por isso, uma economia saudável precisa de um Estado forte e independente do poder económico. Em Portugal estamos ainda longe disso – embora a recusa do actual Governo de salvar o grupo Espírito Santo com dinheiro dos contribuintes tenha sido um passo no sentido certo, tanto mais de louvar por ser pouco habitual por cá.

O facto, bem conhecido, é que a sociedade portuguesa é desde há séculos muito dependente do Estado, o que promove a promiscuidade entre negócios e política. Um sinal de quanto a dependência estatal está enraizada em Portugal foi dado há duas semanas, quando destacadas figuras do PSD lamentaram que o Estado já não tenha a golden share na PT (uma acção especial, que dava ao Estado poderes muito superiores aos correspondentes à sua participação no capital da empresa). Golden share que apenas por pressão de Bruxelas o Estado português abandonou, na PT e não só.

A reacção estatizante dos saudosistas foi criticada, e bem, nomeadamente por João Miguel Tavares, no Público, e Paulo Ferreira, no Diário Económico. Mas julgo que vale a pena acrescentar qualquer coisa, de tal maneira é estapafúrdia a ideia de que entre nós estão na mó de cima os chamados neoliberais.

Este é um país onde vigorou durante 40 anos o condicionamento industrial, sujeitando a autorização prévia do Estado (ouvidos os industriais já instalados…) a criação de uma nova fábrica, de maneira a evitar a 'concorrência excessiva'. E a mistura de política e negócios atingiu um ponto alto durante a governação de José Sócrates, envolvendo sobretudo o Grupo Espírito Santo.

Basta lembrar a vergonhosa operação de 'tomada' do BCP por administradores próximos de Sócrates vindos da Caixa Geral de Depósitos, a qual financiara vários investidores para comprarem acções daquele banco. Aliás, a estatal CGD actuou demasiadas vezes mais em função de interesses particulares do que para estimular o crescimento económico do país.

O atraso na entrada em funcionamento do prometido 'banco de fomento', cujo nome oficial será Instituição Financeira de Desenvolvimento (visando dar crédito às pequenas e médias empresas), é outro exemplo de que, a par de falhas de mercado, também há falhas do Estado.

O nosso burocrático Estado mete o nariz em tudo, mas não cumpre satisfatoriamente as suas funções essenciais – na Justiça, na Segurança e na Defesa. E muitas vezes os políticos actuam como se governar fosse redigir novas leis. Numerosas dessas leis são inúteis, pois acabam por não ser regulamentadas. Boa parte das que entram em vigor e são cumpridas complica perigosamente o quadro jurídico nacional, que se tornou labiríntico. Os códigos, mesmo os mais recentes, são constantemente ultrapassados por legislação avulsa.

É urgente separar as águas: o Estado não deve interferir nos negócios e muitos empresários têm de deixar de viver pendurados no Estado.