Despesa diminuiu… mas pouco

Passos insiste que o Governo fez uma redução da despesa «sem precedente nem paralelo». Mas os números contrariam-no. Economistas da esquerda e da direita dizem que não foi significativa.

À esquerda, Passos Coelho não é poupado. Os economistas ouvidos pelo SOL refutam a ideia de que tenha havido uma redução da dívida pública e argumentam que a redução da despesa foi feita exclusivamente à custa dos cortes nos salários, nas pensões e nas prestações sociais. Mas também à direita os economistas afirmam que a redução da despesa não é significativa e tecem críticas à proclamada reestruturação do Estado, que ficou por fazer.

No encerramento das jornadas parlamentares conjuntas do PSD e do CDS, o chefe do Governo atirou-se àqueles que, «por preguiça ou por orgulho», dizem que está tudo como em 2011 e que não houve uma redução da despesa.

Ao SOL, João Duque, economista e presidente do ISEG, defende  que «não houve uma redução significativa da despesa pública» e que isso registou-se «apenas nalgumas áreas». Duque critica ainda a reforma do Estado, «que ficou na gaveta». Quanto à dívida pública, diz que «era previsível que aumentasse, mas não tanto», justificando que «os juros para cumprir os défices fixados rebentam com qualquer orçamento em Portugal». Segundo dados oficiais, a dívida aumentará 23,3% nos anos de governação PSD/CDS.

O economista, próximo de Passos Coelho, diz ainda que não viu alterações significativas na estrutura nem na gestão das unidades dos serviços públicos. Apesar de tudo, João Duque ainda dá o benefício da dúvida ao primeiro-ministro e conta que muito brevemente este «mostre os dados» que comprovam o que disse. «Por forma a corrigir a informação e mostrar que teve sucesso nas políticas que implementou», reforça.

Já Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, considera que houve uma redução da despesa, mas sublinha que esta foi alcançada sobretudo por via do aumento das receitas e não pelo lado dos cortes nas despesas. Segundo Silva Peneda, durante este ano o cumprimento do défice foi conseguido à custa da redução de apenas 11% da despesa e de um aumento de 89% da receita. Em 2015, estima-se que «a diferença ainda será maior», ou seja, 96% do lado da receita e 4% em cortes na despesa.

Diminuição à custa dos cortes nos salários e pensões

No sábado, Passos mostrou-se indignado com os jornalistas e comentadores que passam a ideia de que está tudo igual ao nível da despesa do Estado. Ontem, durante o debate sobre o Orçamento do Estado para 2015, na Assembleia da República, voltou ao tema para defender que o seu governo fez uma «redução de despesa sem qualquer precedente nem paralelo» na «história democrática» de Portugal, apontando: «Entre 2010 e 2015 teremos reduzido 11,5 mil milhões de euros de despesa primária do Estado, isto é, se não tivermos em conta os juros da dívida pública». As contas de Passos incluem a parte final do consulado socrático e atiram para a execução do OE-2015.

Nos dados do INE, os resultados do ‘passismo’ são mais modestos: o corte na despesa pública sem juros da dívida (despesa primária) fica-se pelos 2,48%.

À esquerda, os economistas contactados pelo SOL reconhecem que houve uma diminuição da despesa pública, mas sublinham que tal só foi possível à conta dos cortes nos salários, pensões e prestações sociais.

«A despesa pública caiu, mas o que é determinante para essa queda é o custo com os salários daFunção Pública; em seguida, o corte de pensões e em terceiro a diminuição das prestações sociais», explica Ricardo Paes Mamede.

Já Manuel Caldeira Cabral nota que a diminuição da despesa «nunca teve por base uma reforma do Estado». O economista da área do PS, que colaborou na recente reforma do IRC, explica que «houve cortes na despesa, mas através de cortes nas prestações sociais, pensões e salários e não com medidas estruturais».

No debate do OE, Passos considerou que «a dívida pública terá em 2015 o segundo ano consecutivo de diminuição assinalável». Mas à esquerda estas contas são contestadas. «A evolução da dívida não é uma questão de opinião. É um facto. Ea dívida pública aumentou de forma significativa desde que o Governo foi eleito», garante Paes Mamede.

Previsões pessimistas

Segundo os economistas ouvidos pelo SOL, em 2010, a dívida era 94% do PIB e em 2014 passou para perto de 130%. Caldeira Cabral lembra, por exemplo, que as previsões da OCDE apontam para um aumento do endividamento português, ao contrário das previsões mais optimistas feitas pelo Governo no OE. Além disso, alerta para o facto de Portugal ter reduzido o seu património, através das privatizações: «O Governo aumentou o endividamento, apesar de ter feito mais privatizações do que as que previstas no memorando da troika. Deve mais dinheiro e tem menos activos»

Frases

Passos Coelho nas Jornadas Parlamentares PSD/CDS:

«Se ouvirmos as televisões, se lermos os jornais, os cortes não existiram, os sacrifícios e austeridade não existiram, os portugueses estão equivocados, estamos como estávamos em 2011. Chega a ser patético verificar a dificuldade que gente que se diz independente tem em assumir que errou, que foi preguiçosa, que não leu, que não comparou, que não se interessou a não ser  causar uma boa impressão, como `Maria vai com as outras´ e de dizer o que toda a gente diz porque fica bem»

Passos Coelho no Debate do Orçamento:

«A nossa dívida pública terá em 2015 o segundo ano consecutivo de diminuição assinalável. Esse é o rumo da sustentabilidade e a rejeição prática das aventuras propostas que mais não são do que receitas para novos colapsos financeiros e novos resgates, porventura mais duros do que aquele  que sofremos em 2011»

sofia.rainho@sol.pt e sonia.cerdeira@sol.pt