Vem dançar comigo, Lídia

Rigorosas linhas de luz branca cortam um palco assustadoramente negro. Ouvem-se respirações. Sôfregas. Bruscas. Depois tranquilas. Por meros instantes revemos os Ballet Russes. Os gestos são ágeis, por vezes secos, por vezes líricos. Modernistas.

A ideia de trabalhar sobre o modernismo – e desta forma assinalar o centenário da revista Orpheu – surgiu da direcção da Companhia Nacional de Bailado, que desafiou o coreógrafo Paulo Ribeiro e o músico Luís Tinoco para, em parceria, criarem sobre este tema. Como ponto de partida mais específico, Lídia, a figura feminina que nasce nas Odes, de Horácio, e que serviu de inspiração a vários autores portugueses, nomeadamente o heterónimo pessoano Ricardo Reis, que fez de Lídia a sua musa. “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio/ Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos/ Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos)./ Depois pensemos, crianças adultas, que a vida/ Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa” – Lídia é a mulher que permitiu a Ricardo Reis sentir. É a verdade. A constatação de que a vida é este rio que corre sem voltar para trás.

Em palco, 13 mulheres, 13 Lídias, sensuais e belas, complementares, mas individuais. “Quis criar algo com harmonia e beleza, que partisse de uma linguagem muito rigorosa para construir algo muito aberto, mas ainda assim coerente”, explica Ribeiro, acrescentando que a coreografia foi “criada de forma orgânica, sem rupturas propositadas, mas que, tal como o modernismo, se torna desconcertante como evolução natural. É uma coisa e o seu oposto”.

À coreografia de Paulo Ribeiro e à música de Luís Tinoco – interpretada ao vivo pela Orquestra Metropolitana de Lisboa – juntam-se ainda os trabalhos essenciais de luzes de Nuno Meira, que consegue reinventar o palco do Teatro Camões, e os figurinos de José António Tenente, que emprestam um carácter etéreo aos corpos das bailarinas. Juntos, sintetizam uma linguagem poética imbuída de romantismo, mas também de liberdade, e que é a de Lídia. Mas que é também a da própria vida.

raquel.carrilho@sol.pt