Até quando as deixaremos morrer?

A última mulher portuguesa assassinada pelo ex-companheiro tinha apresentado queixa na Polícia sete dias antes de ser morta.

Na sequência da queixa, a Polícia verificou que o alegado agressor não tinha nenhuma arma de fogo registada, e a investigação seguia os seus tranquilos trâmites processuais. Nessa tramitação não se incluiu qualquer vigilância aos passos do possível atacante, que afinal arranjou uma caçadeira com a qual cometeu o homicídio.

Quantas mulheres estarão neste preciso momento a ser espancadas, preferindo manter uma relação de violência a acabarem com ela e serem mortas? No dia em que escrevo, são já 32 as portuguesas assassinadas este ano por homens com quem partilharam a vida.

O número de crimes tem vindo a crescer em relação directa com a coragem das vítimas: separam-se dos seus torturadores, apresentam queixa deles, e eles matam-nas. Depois serão eventualmente presos e condenados – mas isso não devolve a vida às assassinadas nem a alegria aos seus filhos, família e amigos.

Em Portugal, neste dramático tema como em tantos outros, continua a vigorar o velho e triste provérbio: "Casa roubada, trancas à porta". 

Uma primeira medida profiláctica consistiria em deixarmos de baptizar estes homicídios com o romântico nome de 'crimes passionais': é o ódio que assassina, nunca a paixão.

O ciúme descontrolado radica na obsessão com a posse, no egoísmo, na incapacidade de respeitar o outro e as suas escolhas – sentimentos que são o oposto do amor. Estas confusões semânticas levam a que muitos jovens considerem que humilhações e ameaças são 'normais' num namoro (25 % dos rapazes e 13% das raparigas, segundo um estudo realizado em 2013 pela União de Mulheres Alternativa e Resposta – UMAR).

A procuradora-geral da República anunciou agora a concentração dos processos de violência doméstica em magistrados específica e exclusivamente dedicados a este tipo de criminalidade, de modo a agilizar a burocracia e a coordenação entre as instituições judiciais e as de apoio à vítima, o que é de saudar. 

Mas a medida mais urgente é a protecção efectiva das vítimas: se uma pessoa tem fundadas suspeitas de que uma outra pretende matá-la, há que garantir, de imediato, a sua segurança.

Uma das funções básicas do Estado de Direito é essa: garantir a segurança de todos os seus cidadãos. Os  argumentos economicistas não colhem em casos de vida ou de morte: se a Polícia não dispõe de meios suficientes para garantir a sobrevivência dos cidadãos em perigo, o Governo tem obrigação de os arranjar. Corte em serviços dos quais não dependa o elementar direito à vida e à integridade física.

As causas da persistência da violência doméstica não desaparecerão de um dia para o outro.

Culpar a crise, o desamparo económico ou até a emancipação das mulheres, não resolve o problema. Temos muita pena da dificuldade que o país tem demonstrado em educar mulheres e homens para relações de igualdade e comunhão – mas não podemos continuar a permitir que essa compreensão sociológica se traduza em complacência inerte face à brutalidade e ao homicídio.

E as vítimas de violência não podem continuar a ser arredadas das suas vidas para 'casas de abrigo', enquanto os seus verdugos ficam nas casas de família a planear matá-las: está tudo ao contrário.

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