Herberto Helder, poeta rarefeito

É considerado por grande parte dos académicos e críticos literários como o maior poeta português vivo e é também uma figura mítica. Eremita e asceta, vive na sua casa de Cascais retirado do mundo. Não frequenta tertúlias – nem nenhum circuito literário – não aparece em público, não se deixa fotografar, não dá entrevistas e…

A Morte Sem Mestre, lançado no passado mês de Maio, estava há dias à venda no conhecido site português de vendas a preços que variavam entre os 22 euros – curiosamente o preço de capa em livraria – e os 100 euros.
Mas “chegou a estar a 350 euros, no OLX, no próprio dia do lançamento”, escandaliza-se Gabriela Gouveia, proprietária de um alfarrabista especializado em literatura e poesia portuguesa e, mais especificamente, em primeiras edições. As indicações que a imprensa e as livrarias deram, na altura, foi que as pré-reservas fariam com que a obra não chegasse sequer às prateleiras das livrarias, passando para o cliente que o tivesse encomendado por baixo do balcão.

Mas segundo Gabriela Gouveia não foi tanto assim. “Tive clientes que queriam muito ter o livro e disse-lhes para terem calma”. Alguns dias depois, a proprietária da Livros Antigos Gabriela Gouveia comprou dois exemplares numa livraria ao preço de capa estabelecido pela editora. Na Feira do  Livro, na banca da Porto Editora (casa que  actualmente edita o poeta), o livro não estava nos escaparates, “mas pedi e foram buscar”, diz Gabriela, criticando o facto de a editora “entrar neste jogo, ao não divulgar as tiragens e permitindo que seja lançado uma espécie de pânico entre os leitores que admiram e estão ansiosos por ler um novo livro”. De acordo com a Porto Editora, a não indicação do número de exemplares é uma prática corrente da casa, trate-se de obras de Herberto Helder ou de outro autor. No caso de Poemas Completos, haverá, segundo a editora, “uma tiragem suficiente para satisfazer a procura dos leitores e para que o livro chegue a todo o país”, o que responde ao coro de críticas na altura do lançamento de A Morte Sem Mestre, de que a editora estava a tornar rarefeita a obra do poeta como estratégia de marketing.

Gabriela Gouveia, que tem todos os livros de Herberto Helder, acha chocante “o mercantilismo” e a especulação que se faz em torno de um livro acabado de editar. “Era incapaz de comprar um livro numa livraria para fazer esta especulação, compro apenas um exemplar para a minha colecção pessoal”, sustenta. A internet, diz, ajuda a que a especulação floresça. “É fácil perceber numa pesquisa no computador o preço que os livros atingem e já tive pessoas que me vieram vender livros do Herberto Helder a um preço superior ao que eu própria tenho para venda”.

Com a decisão do autor de não repetir edições – cada obra é editada uma única vez, sendo depois reunida nas antologias cíclicas que o próprio Herberto organiza – cada exemplar tornou-se mercadoria rara e transaccionável a preços de preciosidade para coleccionadores. E tão mais valiosos quando se trata de textos que o autor rejeita e elimina das suas próprias antologias, que são também elas obras diferentes umas das outras.

Embora não atinja os preços de primeiras edições de Fernando Pessoa ou de Mário de Sá-Carneiro “ele é, de longe, o autor português vivo cujos livros atingem preços mais elevados em leilões e em alfarrabistas”, diz Gabriela Gouveia.

Por exemplo, no alfarrabista Gabriela Gouveia Livros Antigos, perto do Príncipe Real, há um exemplar do primeiro livro do poeta, O Amor em Visita, de 1958, por 900 euros, uma obra raríssima, que conta ainda com a mais-valia de ter sido publicado pela Contraponto, a mítica editora do poeta maldito Luiz Pacheco. Cobra (livro com tiragem muito reduzida) com o extra de ter uma dedicatória a Ilse Losa e com anotações e alterações feitas pelo próprio punho do autor é vendido a 800 euros. “Mas há colegas meus que vendem exemplares a 2.100 euros”.

E isto são preços atingidos numa altura em que, como todos os negócios, a venda de alfarrábios se encontra em crise. Neste momento, Gabriela Gouveia tem quatro exemplares de Cobra para venda. A explicação para a abundância, a livreira encontra-a no facto de o poeta ser especialmente apreciado por uma faixa etária entre os 20 e os 50 anos, que viu o seu orçamento disponível para paixões substancialmente diminuído nos últimos tempos. “Há uns tempos vendia no dia em que chegasse”.

António Trindade, com casa aberta na Rua do Alecrim, a J. Trindade – Livros Antigos e Usados, tem para venda alguns livros do poeta, mas é Apresentação do Rosto o ex libris, que vende a quem quiser dar 250 euros. “É um livro notável, que ele acabou por rejeitar, imagino por ser um livro em que se expõe muito”. Da obra, editada pela Ulisseia – curiosamente em Maio de 1968, o mês da revolta estudantil em Paris – António Trindade diz que não se sabe exactamente quantos exemplares foram feitos, “uma vez que não existe uma história da edição em Portugal. Mas sabe-se que foi apreendido pela PIDE”.

Grande leitor de Herberto Helder – “porventura o maior poeta do século XX”, considera – António Trindade recusa a ideia de que o autor se promova fazendo-se difícil de aceder com edições muito limitadas. “Pelo contrário, tem tudo a ver com um conceito muito romântico de pensar a vida e a poesia e ao mesmo tempo um estilo de vida muito espartano. Acredito que se tivéssemos acesso aos contratos que fazia com as editoras iríamos perceber que o que ele pede é exclusivamente o que precisa para pagar as suas contas muito modestas”. Se há gente a ganhar com a sua obra? Haverá, mas não é o próprio. 

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