Anabela Rodrigues: uma escolha arriscada de Passos Coelho!

1. Anabela Rodrigues é a escolha de Pedro Passos Coelho para substituir Miguel Macedo. Esta escolha comporta aspectos positivos e aspectos negativos. Comecemos pelos aspectos positivos.

2. Anabela Rodrigues é uma jurista competente e talentosa, com obra científica publicada de grande nível nos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal, com posições doutrinárias singulares e pioneiras em sede de Direito Penal Europeu (ou seja, das relações entre os ordenamentos jurídicos nacionais no que concerne à tipificação de certas condutas como crimes e aos mecanismos de repressão de tais ilícitos – bem como ao tratamento dogmático de entidades europeias com poderes em matéria de repressão criminal como é o caso do Eurojust). A sua tese de doutoramento – a primeira a ser apresentada e defendida, com êxito, à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, por uma mulher – apresenta pistas de investigação e uma reflexão muito pertinente e, em alguns trechos, inovadora sobre os critérios de aplicação de uma medida privativa de liberdade (maxime, pena de prisão) pelos juízes. Ainda hoje se trata de uma dissertação de doutoramento, entretanto publicada pela Coimbra Editora, muito procurada e citada pelos estudiosos e práticos do Direito. Anabela Miranda Rodrigues é, pois, um vulto académico, cujos méritos foram reconhecidos por provas públicas de enorme exigência.

3. Este percurso académico leva a que nada haja a apontar quanto à competência de Anabela Rodrigues. Muito menos se poderá suscitar qualquer suspeita sobre a sua idoneidade ou preparação teórica para o exercício das funções públicas que ora lhe são confiadas. Além disso, a amanhã empossada Ministra da Administração Interna foi a primeira directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) – a escola de formação dos magistrados, aqueles que personificam os órgãos de soberania que são os tribunais e devem aplicar o Direito aos casos concretos. Mais uma vez, a Professora Anabela Rodrigues foi a primeira mulher a exercer tal cargo – e cortou com uma lógica, fundada numa tradição ou num costume corporativo, que consistia em escolher sempre para a direcção do CEJ um magistrado de carreira.

4. Anabela Rodrigues cortou com esse costume corporativo – e protagonizou uma “revolução coperniciana” no CEJ. Hoje, por exemplo, o director do CEJ (pese embora alguns magistrados responsáveis pelas escolas locais do CEJ terem pedido a sua demissão aquando da escolha de Anabela Rodrigues por não ser uma magistrada) é um não magistrado: o académico, Professor da minha escola, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor Pedro Barbas Homem. Ou seja, os magistrados renderam-se ao seu trabalho e à sua pujança académica: é, pois, um nome que agrada aos magistrados e agrada ao Ministério Público.

5. Por outro lado, Anabela Rodrigues é alguém que está fora da política partidária: não tem ligações ou suspeitas de ligações ao aparelho do PSD. É uma perfeita outsider: o que, em tempos conturbados de suspeitas generalizadas sobre práticas menos claras na concessão de vistos gold, poderá ser uma mais-valia. E um factor de estabilidade.

6. Mais: Passos Coelho poderá ter optado por uma perfil político baixo ou inexistente para dois efeitos: 1) mostrar independência e total resistência às pressões dos vários grupos do PSD e dos comentadores que reclamam uma remodelação urgente – Passos Coelho quer mostrar que não é condicionável; 2) reforçar o núcleo político duro do Governo, fechando-o: quantas menos pessoas tiver este grupo de direcção política, menor será o risco de ocorrerem erros comunicacionais, divergências ou puras asneiras. Conclusão: Passos Coelho reforça, ainda mais, o seu protagonismo político no executivo.

7. Contudo, a escolha de Anabela Rodrigues tem, igualmente, aspectos negativos. A saber:

1) Pode originar conflitos de competências entre o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Justiça. Isto porque a vocação natural e a formação académica de Anabela Rodrigues é a de ser Ministra da Justiça – e não da Adminsitração Interna. As questões mais complicadas do Ministério que pertencia a Miguel Macedo estão longe das preocupações centrais de Anabela Rodrigues;

2) Pode gerar uma percepção geral de falta de autoridade política no Ministério da Administração Interna: Ministério que, convém não esquecer, tem dossiês muito complicados e potencialmente “incendiários”. Tem Anabela Rodrigues perfil para negociar com os polícias, compreender as preocupações imediatistas dos bombeiros, entender os imperativos de Protecção Civil? Migue Macedo fez um belíssimo lugar, pois é um negociador nato. Anabela Rodrigues não tem esse perfil – veremos se se vai revelar uma notável surpresa;

3) Pode ser interpretada como uma reprimenda subtil a Paula Teixeira da Cruz. Como? Fácil: como Anabela Rodrigues é apreciada e tem boas relações com os juízes e até com advogados, vem acalmar o clima de tensão entre o Governo e uma parte dos práticos do Direito. No fundo, o perfil de Anabela Rodrigues, a sua formação, o seu percurso e o seu “habitat” natural (que é o meio judiciário) poderá significar uma perda de autoridade e força política de Paula Teixeira da Cruz.

Veremos como correrá a actuação de Anabela Rodrigues como Ministra da Administração Interna – e os efeitos políticos da escolha de Passos Coelho. Será uma vantagem comparativa para o Governo ou mais um berbicaho? Esperemos que seja a primeira hipótese.

joaolemosesteves@gmail.com