Neto de peixe sabe nadar

Quem dera a Júlio Verne… Nas suas Vinte Mil Léguas Submarinas, o autor francês antecipava a exploração e a investigação subaquática através de um veículo, o Nautilus. Estávamos nas vésperas do aparecimento dos primeiros submarinos, cujo objectivo era, e ainda é, a guerra. Muitos anos depois, outro francês, o estudioso dos mares Jacques Cousteau, decidiu…

Sonhos à parte, um pouco mais de 50 anos depois desta afirmação, um outro Cousteau, Fabien, diz que pretende construir não um abrigo ou um laboratório lá em baixo, mas toda uma cidade auto-sustentável. O objectivo é a investigação: “As próximas cidades subaquáticas vão ser totalmente sustentáveis e vão estabelecer uma rede de informação e de recolha de dados”, disse à revista Popular Science.

Fabien é um dos netos de Jacques. Quase toda a família do patriarca seguiu-lhe, de uma maneira ou de outra, as pisadas. Este neto até ultrapassou por um dia o recorde do avô. Este ano, de 1 de Junho a 2 de Julho, o investigador esteve literalmente a viver debaixo de água, ao largo das Florida Keys, um arquipélago a sul daquele Estado norte-americano. Durante esses 31 dias captou imagens e recolheu amostras científicas. Um dos objectivos, claro, era uma homenagem ao avô.

Outra das metas do Cousteau neto era observar, de um ponto de vista muito mais privilegiado, o fundo do oceano a partir de um ponto fixo. A pressão a que estamos sujeitos quando descemos a grandes profundidades é impossível de suportar pelo nosso corpo. Daí que a ideia de um laboratório com a pressão adequada, onde possamos ficar em permanência, marque uma espécie de passo em frente para o estudo desta última fronteira. É que actualmente a humanidade conhece melhor o espaço do que o fundo do oceano do seu próprio planeta…

Cousteau esteve dependente de mantimentos enviados do exterior. A ideia para uma futura cidade é a da independência total face à superfície. Lá em baixo, porém, teve de se contentar com comida de astronauta para sobreviver. “Sinceramente, esta comida não presta de todo”, disse à Popular Science. “Perdemos o nosso sentido de gosto e por isso comer torna-se uma experiência desagradável”. Numa cidade subaquática como a que o investigador idealiza, os edifícios geram o seu próprio oxigénio e poderão cultivar-se algas e outras plantas, além de proteínas vegetais.

Incómodos gastronómicos à parte, Fabien Cousteau pôde colher dados únicos sobre espécies em risco e níveis de acidificação dos mares devido às alterações climáticas. É material que “vai ser usado em 12 estudos científicos para publicação”, garante, ainda antes da utópica – e dispendiosa – cidade estar concluída. 

ricardo.nabais@sol.pt