Doentes com legionella querem ir para tribunal

Ainda sem saber a quem apontar o dedo, dezenas de familiares e doentes com legionella estão a acorrer às juntas de freguesia de Vila Franca de Xira, questionando os respectivos advogados sobre quem poderão responsabilizar pelo surto e se têm direito a receber indemnizações. As autoridades de saúde ainda aguardam análises para perceber se há…

Desde dia 17 que não param de chegar pedidos de inscrição para aconselhamento jurídico à Junta de Freguesia de Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, onde se concentrou grande parte dos casos de infecção. “As pessoas querem saber quem é o culpado e pedir responsabilidades”, explicou ao SOL o presidente da Junta, Jorge Ribeiro.

Entre os cerca de 30 pedidos de apoio já registados estão os dos familiares de duas das vítimas: Argentina Reis (81 anos), a idosa que estava acamada e cujo caso foi decisivo para deslindar a origem do surto, e um homem de 47 anos, também de Forte da Casa.

À espera do MP

Familiares das pessoas ainda internadas e alguns doentes que entretanto tiveram alta do hospital têm procurado saber como podem ser compensados pelos dias de trabalho perdido e pelas sequelas deixadas pela pneumonia provocada pela bactéria.

 “Todos os pedidos estão a chegar acompanhados com cópias das notas de alta ou com os certificados de óbito, onde se prova a infecção com a bactéria”, explica Jorge Ribeiro, adiantando que as reuniões com advogados só deverão começar na próxima semana, depois de serem analisados os documentos apresentados.

À Junta de Freguesia de Vialonga também já começaram a chegar pedidos. O caso mais grave é o de um jardineiro que foi dos primeiros a ser infectado e ainda está internado no Hospital de Vila Franca de Xira. O homem, que trabalha a recibos verdes, está sem receber desde que adoeceu e a mulher só conta com o salário mínimo. “Estão atrapalhados porque só a renda de casa é de 320 euros. Querem perceber como agir legalmente para receberem uma compensação pelo tempo que ele estará sem poder trabalhar”, explica ao SOL José António Gomes, presidente da Junta de Vialonga.

Os casos que vão chegar às mãos dos advogados do município serão analisados um a um, para perceber aquilo que cada vítima poderá exigir numa eventual indemnização. Mas, para já, todos serão aconselhados a aguardar por uma decisão do Ministério Público antes de avançar para a Justiça.

O inquérito criminal que foi aberto há mais de uma semana, no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da Comarca de Lisboa Norte, permitirá perceber se na origem da contaminação esteve um crime ambiental de poluição numa das três fábricas onde foi detectada a legionella: a ADP Fertilizantes, apontada como a principal suspeita pelo ministro do Ambiente, a Central de Cervejas e a Solvay.

O crime em causa é punível com prisão até oito anos. Desde 2010, houve apenas seis condenações em Portugal por crimes ambientais de poluição, três delas com pena de prisão suspensa, segundo dados do Ministério da Justiça.

Mesmo que as autoridades judiciais não consigam avançar neste caso com um processo por crime ambiental, uma vez que “são processos muito exigentes e de difícil prova”, as empresas estão sujeitas a multas e as famílias poderão exigir indemnizações – explicou ao SOL a especialista em Direito do Ambiente Ivone Rocha. “Podem responder por responsabilidade ambiental, por ter havido negligência na limpeza das torres ou falta do controlo, a que estão obrigadas pela actividade a que se dedicam”, diz a especialista, lembrando que, neste caso, as multas podem chegar aos cinco milhões de euros, devido às consequências para a saúde pública.

Ao mesmo tempo, os doentes poderão avançar com pedidos de indemnização cível.

Task force desmantelada

Mesmo sem resultados finais das análises à legionella – que são esperados a qualquer momento -, as autoridades garantem que será possível determinar se foi apenas uma torre de arrefecimento ou várias a disseminar no ar os aerossóis com a bactéria.

O director-geral da Saúde, Francisco George, avança ao SOL que, mesmo podendo haver contágio de uma torre para outra, estão a ser feitos testes para localizar com precisão a origem do surto. “Continuam a ser feitos testes de paternidade às bactérias que foram colhidas nas torres e nos alvéolos dos doentes”, explica, acrescentando que este mapa genético da legionella permitirá perceber como esta se multiplicou e qual foi a origem.

Com o surto controlado e os casos de infecção a surgirem a conta-gotas, na última semana, as autoridades de saúde preparam-se agora para desmantelar a task force criada para enfrentar a legionella. A equipa contou com epidemiologistas, peritos na bactéria, especialistas em ambiente e em meteorologia.

*com Sónia Balasteiro

joana.f.costa@sol.pt