No centro da América, do terror e da impunidade

Plutarco Antonio Ruiz nasceu há 32 anos no seio de uma das famílias que controlam o narcotráfico na cidade hondurenha de Santa Barbara. Em Fevereiro, com a morte do irmão David, o ‘Touro’, como é conhecido na comunidade, assumiu a liderança do negócio e consolidou a fama de “pessoa violenta com mau carácter, que resolve…

No centro da América, do terror e da impunidade

A 13 de Novembro, na festa do seu próprio aniversário, Ruiz deu mais uma demonstração de poder: revoltado por ter visto a namorada a dançar com outro homem, o traficante terminou a discussão com Sofia Alvarado atingindo-a com um tiro na cabeça. Ao lado, a incrédula irmã da vítima seguiu o instinto de fugir. Ruiz alvejou-a pelas costas.

“Acredito que se a minha filha não fosse representante do país a sua morte não teria direito a qualquer justiça”, disse a mãe das vítimas, Teresa Muñoz, quando os corpos das filhas foram finalmente localizados, ao fim de seis dias de buscas. Uma delas era a mulher que, em Dezembro, ia representar o país no concurso da Miss Mundo, Maria José Alvarado.

Depois de confessar a autoria dos crimes e pormenorizar a forma como os dois cadáveres foram colocados num saco castanho e deitados na margem de um rio, Ruiz fora detido a par de três cúmplices, incluindo os dois donos do bar onde decorria a festa.

Nada que diminuísse o cepticismo da mãe, partilhado pelo director da escola onde estudaram as Alvarado e pela autoridade política local. O professor José Luis Mejia não tem dúvidas de que se não estivesse em causa Maria José Alvarado a polícia falaria de “mais um ajuste de contas entre traficantes, sem se dar ao trabalho de sequer investigar”, enquanto o autarca de Santa Barbara, Juan Alvarado, diz que o assassino “sentia-se tão imune” que não aproveitou os seis dias para fugir pois “sempre acreditou que não seria detido”.

O facto de o assassino das suas filhas ter confessado o crime não alivia Teresa Muñoz, que pondera agora pedir exílio nos Estados Unidos, a par da única filha sobrevivente. “Temos de sair do país porque temos medo do que nos pode vir a acontecer, não nos sentimos seguras e tememos pelas nossas vidas”, disse Corina, de 26 anos, ao britânico Daily Mail. 

Com 7.172 homicídios registados em 2012, as Honduras encabeçam a lista mundial de países com mais crimes u mortais por habitante no último Estudo Global sobre Homicídios do Gabinete das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla inglesa). Um relatório que sublinha a “tendência decrescente do número de condenações nas Américas nos últimos anos”, considerada “particularmente alarmante” ao constatar-se “o crescente número de homicídios registados desde 2007”. Os responsáveis da ONU concluem que “a impunidade relacionada com homicídios cresceu nas Américas nos últimos anos”.

#YaMeCanse

Um fenómeno que não foram só os hondurenhos a comprovar nas últimas semanas. No México, o último caso de violência destapou mais uma vez a cumplicidade entre o poder político e os gangues do narcotráfico. A morte de 43 jovens foi a gota de água para uma sociedade que se diz farta: #YaMeCanse e #estoycansado foram dois tópicos líderes no Twitter a nível nacional nas últimas semanas.

Um slogan retirado ao próprio procurador-geral do México, José Murillo, que soltou o desabafo – “já me cansei” – depois de ter relatado os detalhes do massacre de 43 professores em formação, desaparecidos a 26 de Setembro em Iguala, 200 quilómetros a Sul da Cidade do México.

Os incêndios no Parlamento e na sede do Governo do Estado de Guerrero, onde fica situada a cidade de Iguala, são consequências da revolta que também incendiou a porta do Palácio Nacional, na Cidade do México, e bloqueou temporariamente os acessos ao aeroporto de Acapulco, um dos mais populares destinos turísticos do país.

O caso não é para menos. Os 43 chegaram a Iguala na tarde de 26 de Setembro, incluídos num grupo de mais de uma centena de manifestantes chegados de Ayotzinapa. O objectivo era desestabilizar um comício de María de los Ángeles Pineda Villa, a esposa do autarca de Iguala, que se candidatava ao cargo de regedora (uma espécie de vereadora) do município.

Um ano antes, os estudantes haviam culpado o casal pela morte de Arturo Hernández Cardona, um dirigente da União Popular de Iguala. Em Maio de 2013 os protestos estudantis haviam feito estragos na sede da autarquia, pelo que desta vez as autoridades estavam preparadas para o impedir.

José Luis Abarca Velázquez mandou a polícia municipal vigiar os manifestantes desde a entrada da cidade, dando-lhe ordens para impedir qualquer sabotagem do comício da sua mulher. Outra ordem menos convencional, mesmo para os padrões a que os mexicanos se habituaram, exigia que os polícias entregassem os manifestantes mais desordeiros ao grupo dos Guerreros Unidos, o braço armado do maior cartel de droga da região.

Seis manifestantes foram mortos nos desacatos e, dois meses depois, os 43 continuam oficialmente desaparecidos. Mas o caso já originou mais de 50 detenções, incluindo Abarca Velázquez, a sua mulher, polícias municipais e membros do cartel. Segundo o relato do procurador Murillo, alguns dos detidos já confessaram o esquema, com detalhes.

Os estudantes terão sido levados para a lixeira da população vizinha de Cocula. Os que sobreviveram à tortura e ao transporte (muitos terão morrido de asfixia) foram abatidos com um tiro na cabeça já no local. Os corpos terão sido queimados de uma maneira tão profissional que, mesmo sabendo o local, a polícia não consegue identificá-los. O líder dos Guerreros Unidos, Sidronio Casarrubias, terá confessado que o cartel subornava a autarquia ao ponto de poder nomear as novas entradas para a força policial local.

No quarto país com mais homicídios em todo o mundo, o Presidente Enrique Peña Nieto apela agora a uma aliança multipartidária para “juntar forças a fortalecer o Estado de Direito, combater a corrupção e acabar com a impunidade”. Mas pode ser tarde demais. Os mexicanos já se cansaram.

nuno.e.lima@sol.pt