Águas dão 60 milhões a Câmara

A Águas do Centro (AC) aceitou pagar, em apenas sete anos, cerca de 60 milhões de euros ao município de Castelo Branco pelo arrendamento das suas infra-estruturas de abastecimento e saneamento de águas residuais em alta. 

Isto apesar de um parecer desfavorável do então Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR) avisar que o valor assumido pela concessionária implicava uma “oneração da tarifa” que seria paga nos anos seguintes pelos munícipes de todos os concelhos abrangidos por aquele sistema. 

O caso remonta a Dezembro de 2007, altura em que a autarquia  assinou um contrato de arrendamento das infra-estruturas com aquela subsidiária da Águas de Portugal (AdP), integrando-as assim no Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e Saneamento de Raia, Zêzere e Nabão por 35 anos. 

No parecer em causa, a que o SOL teve acesso, o IRAR avisou que os termos do acordo são “bastante onerosos para os custos futuros”, que terão de ser “recuperados através das tarifas cobradas aos restantes utilizadores do sistema”.

Entre os custos a ser cobrados, alertou o regulador, estava uma compensação de 29,98 milhões de euros pela integração das infra-estruturas de Castelo Branco no sistema multimunicipal, a ser paga em sete anos pela Águas do Centro. Ora, “no orçamento e projecto tarifário para 2007”, a empresa previa gastar menos de metade deste valor:  14, 2 milhões de euros, lê-se no documento. Ou seja, a AC aceitou pagar de renda pelas infra-estruturas mais cerca de 16 milhões milhões do que o previsto.

E as contrapartidas assumidas pela empresa pública – com o acordo do Estado, por despacho da então ministra do Ambiente do Governo de José Sócrates, Dulce Pássaro – não ficaram por aqui.

Na concessão, a Câmara de Castelo Branco, liderada pelo PS, encaixou ainda mais 30,96 milhões de euros por “perda de negócio”, através de uma cláusula incluída apenas na versão final do contrato.

Por outro lado, a Águas do Centro ficou obrigada à construção de infra-estruturas de adução até tais pontos de entrega e de infra-estruturas de transporte de efluentes até às ETAR (estações de tratamento de águas residuais) que servem Castelo Branco. Ficou igualmente responsável por explorar a ETAR que os serviços municipalizados daquela cidade tinham prevista para a zona industrial de Alcains.

Mas os valores demasiado elevados pagos pela concessionária das águas ao município não são as únicas questões levantadas no parecer do IRAR. Também o prazo para o pagamento da concessão – de apenas sete anos – é considerado demasiado curto pelo regulador do sector das águas: A “aceleração destes pagamentos em sete anos, em vez de serem distribuídos pelo período em falta da concessão (35 anos) de forma a suavizar os pagamentos e consequentes necessidades de endividamento da concessionária, o que também colide com o que tem sido prática nos demais sistemas multimunicipais”. 

Dívida de 20,3 milhões de euros perdoada 

A Câmara de Castelo Branco viu ainda perdoadas todas as dívidas acumuladas desde a celebração, em 2001, de um outro contrato de abastecimento e saneamento com a concessionária – que não chegou a materializar-se mas que implicou “diversas intervenções nas infra-estruturas municipais”: “Na realidade, a sua não adesão efectiva até à presente data já gerou um défice de facturação da concessionária correspondente a cinco anos de actividade, o qual ascende a 20,3 milhões de euros”, nota o regulador no documento. 

Entre as recomendações do IRAR – que não impediu a celebração do contrato, “face ao quadro legislativo em vigor”, segundo o qual o parecer do regulador não é vinculativo – está a aplicação dos “mesmos procedimentos de medição e facturação de serviços que aos demais municípios”.

Também a solução encontrada  para mitigar o impacto tarifário deste contrato era questionada pelo IRAR: “É referido como seu pressuposto um aumento do prazo da concessão em oito anos”, mas, “tal facto não pode ser considerado como adquirido, uma vez que este tipo de alteração estrutural à concessão deve ser objecto de uma proposta formal”.

Segundo explicou ao SOL o actual presidente da Câmara, o socialista Luís Correia, foi por essa razão que se decidiu, entretanto,  o “prolongamento da concessão para que esta realidade não afectasse os consumidores”.

Certo é que, apesar das reservas do regulador – que hoje se designa Entidade Reguladora dos Serviços em Águas e Resíduos (ERSAR) -, aquele município encaixou já 60 milhões de euros com este negócio, “acrescidos de outras obrigações não pecuniárias”, admite Luís Correia. O autarca garante, porém, que houve a preocupação de “não prejudicar os munícipes” de Castelo Branco.

Luís Correia alega que os valores pagos pela Águas do Centro  foram alvo de estudos de impacto financeiro. Por outro lado, assinala, “os SMAS de Castelo Branco eram rentáveis em termos de exploração e tinham investido em infra-estruturas, com o consequente esforço tarifário sobre os munícipes”. Este investimento, diz o autarca, não poderia ser posto em causa com a transferência das infra-estruturas para a concessionária, uma vez que “os próprios SMAS podiam ter continuado autónomos”.

AdP com passivo de 6,4 mil milhões

A Águas do Centro é detida em 70% pela AdP – que, recorde-se, tinha em 2013 um passivo de mais de 6, 4 mil milhões de euros. A situação levou o Ministério do Ambiente a anunciar este ano uma reestruturação do sector em mega sistemas multimunicipais.

Questionada pelo SOL, a empresa explica que o contrato em causa possibilitou “o abastecimento de água a Vila Velha de Ródão, a parte do município de Idanha-a-Nova e, indirectamente, à parte sul do município do Fundão, evitando a construção de novas infra-estruturas”.

O regulador, a ERSAR, tem um entendimento diferente: “Foi definido o pagamento de um valor superior ao que decorria da valorização das infra-estruturas, por negociação entre as partes. A ERSAR considerou que os termos acordados eram pouco equilibrados, uma vez que o valor a pagar ao município significava uma oneração da tarifa, por constituir um custo a recuperar por via tarifária”.

Em 2035, as infra-estruturas em causa voltam a ser geridas pela autarquia. A concessão estará então paga pelos consumidores e contribuintes. 

sonia.balasteiro@sol.pt