Vitimização e frieza de Duarte Lima chocam tribunal

O Tribunal Criminal de Lisboa justifica a pena de 10 anos de prisão a que condenou Duarte Lima não só com a gravidade dos crimes praticados (burla qualificada, ao BPN, e branqueamento de capitais), mas sobretudo pela atitude que o advogado adoptou em tribunal: deu explicações «inverosímeis», «não admitiu os factos» e ainda tentou «vitimizar-se»,…

Vitimização e frieza de Duarte Lima chocam tribunal

No acórdão proferido há uma semana, os juízes salientam que Duarte Lima, 59 anos, foi «incapaz de aceitar a evidência dos factos, demonstrando uma frieza de carácter sob a capa de grandes auto-elogios à sua honestidade». Pelo contrário, «não admitiu os factos e refugiou-se numa atitude inexplicável de vitimização perante um contexto social em que pela comunidade são exigidas penas exemplares relativamente às denominadas figuras públicas e uma comunicação social que tem contribuído para que a sua imagem seja de um 'vilão', apresentando-o, nas suas palavras, como 'um símbolo do mal'».
Por outro lado, os juízes Filipa Valentim (magistrada relatora do acórdão e que presidiu ao julgamento), Alfredo Costa e Pedro Cunha Lopes lembram que «a função primordial» de uma pena é a «prevenção dos comportamentos» criminais. Neste caso, as «necessidades de prevenção geral» dos crimes de burla e branqueamento, a par dos danos que causam à sociedade, «requerem cautelas específicas» e «uma pena que não seja encarada como laxista».
Em julgamento, recorde-se, esteve o negócio de compra de terrenos em Oeiras, para onde chegou a ser anunciada a construção de um novo edifício do Instituto Português de Oncologia (IPO), em 2007, financiado pelo BPN. 

BPN deu 22 milhões, terrenos só custaram 5 milhões
O Tribunal deu como provada a acusação do Ministério Público – deduzida pelo procurador da República Rosário Teixeira, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) – segundo a qual o antigo líder parlamentar do PSD convenceu então José Oliveira Costa, presidente do BPN, a criar um fundo imobiliário – Homeland – financiado pelo banco, para comprar os referidos terrenos e aí desenvolver projectos imobiliários. Para se resguardar, Duarte Lima usou o filho, então com 21 anos, estudante, como seu testa-de-ferro.
Pedro Lima e Vítor Raposo, parceiro de Duarte Lima noutros negócios, ficaram titulares do fundo Homeland (cada um com 42,5%), juntamente com o Fundo de Pensões do BPN (15%). Mas não desembolsaram um tostão: foi o BPN que lhes deu financiamentos para subscreverem as unidades de participação no fundo e comprarem os terrenos.
No total, trata-se de 450 mil metros quadrados de terrenos, pertencentes aos herdeiros de duas famílias da zona de Oeiras, os Canas e os Neta Franco. Enquanto pelos terrenos da família Canas foi pago o preço real (25 milhões de euros), pelos dos herdeiros Neta Franco o BPN suportou 22,8 milhões de euros, quando o valor recebido pelos proprietários foi de apenas cinco milhões de euros. Os arguidos ficaram com a diferença, de 18,6 milhões – dos quais usaram 13 milhões para liquidar os financiamentos que o BPN lhes concedera, tendo ficado com cerca de cinco milhões de euros.

Obrigados a pagar 18 milhões
No final, fazendo as contas a despesas que tiveram, Duarte Lima lucrou 3,5 milhões de euros com o negócio e Vítor Raposo cerca de 1,6 milhões. O Tribunal refere que, nesse ano de 2007, este declarou no IRS um rendimento bruto de 34 mil euros e Lima 51 mil euros.
Ambos beneficiaram da conivência de dois advogados, João Almeida Paiva e o irmão, Pedro, que representaram os vendedores dos terrenos. Por isso, além das penas de prisão, Lima, Raposo e estes dois advogados foram condenados a pagar 18 milhões de euros a título de danos patrimoniais à Parvalorem, empresa do Estado que entretanto assumiu os activos tóxicos do antigo BPN e, neste caso, os créditos do fundo Homeland. 
No julgamento, que durou cerca de um ano, esteve sobretudo em discussão se os responsáveis do BPN à época foram efectivamente enganados por Duarte Lima e Vítor Raposo, seu sócio. Estes argumentaram que nunca burlaram o BPN e que os 18 milhões foram uma comissão antecipada que cobraram face à elevada expectativa de rentabilidade que os terrenos tinham – a qual só não se concretizou devido à crise económico-financeira que penalizou fortemente o sector imobiliário.
A tese não colheu. O Tribunal deu como provado que nem Oliveira Costa nem António Coutinho Rebelo (administrador do BPN Imofundos, entidade gestora do fundo Homeland) alguma vez souberam o valor real dos terrenos (cinco milhões) – tendo ambos afirmado em tribunal que, se soubessem, nunca teriam autorizado o financiamento de 22,8 milhões de euros. «O clima de promiscuidade que se vivia no BPN aliado à liderança absoluta do presidente, Oliveira Costa, que pessoalmente se envolveu no projecto (…) justificam a falta de um maior controlo sobre toda a envolvência da operação», explica-se no acórdão.
«Não venha o arguido Vítor Raposo afirmar que estes são os riscos dos negócios no mundo empresarial e que se limitou a obter um lucro perfeitamente admissível segundo as práticas negociais. Até o seria, mas numa situação de transparência em que todos os pormenores do negócio são do conhecimento dos envolvidos e todos os aceitam com plena consciência, mas não foi essa a situação que ocorreu» – salientam os juízes.

Condenação 'brutal, imerecida e injusta'
No final, o Tribunal salienta a gravidade dos factos: Duarte Lima «valeu-se da sua influência a nível político e social para lograr que os responsáveis do BPN aceitassem financiar o projecto» imobiliário, «utilizou em proveito próprio dinheiros que haviam sido concedidos» para esse fim e cujo montante global «é, de facto, desmesurado». Isto além de «se ter servido do seu filho» e de «considerar que a sua conduta não merece censura penal». 
Em declarações aos jornalistas após a leitura do acórdão, Lima considerou a condenação «brutal, imerecida e injusta» e anunciou que vai recorrer – uma decisão também tomada pelos outros arguidos.
Este é o primeiro dos cinco processos do BPN já concluídos pelo MP a ter julgamento concluído.

6 anos de prisão para sócio

Vítor Raposo, 48 anos, enganou o BPN «falseando o preço de aquisição dos terrenos». O empresário, antigo deputado do PSD (entre 1991 e 1995, quando Duarte Lima era líder parlamentar), lucrou indevidamente 1,6 milhões de euros e não admitiu os crimes – sendo condenado a seis anos de prisão, por um crime de burla qualificada.
Os juízes fazem especial reparo à forma como baixava a cabeça e se mexia quando Duarte Lima tentou fazer-lhes crer que  desconhecia os pormenores do negócio, remetendo para o sócio. Deu-se como provado o «ascendente» que exercia sobre Raposo («era como um pai»).
De resto, o tribunal não deu como provados dois crimes de burla de que Lima era acusado em relação ao sócio (que lhe comprou um milhão de euros de acções da SLN pelo dobro do valor que teriam e lhe entregou 1,3 milhões de euros para um investimento financeiro, mas que serviram para comprar obras de arte. 
 

Filho absolvido

Pedro Lima tinha 21 anos quando foi usado pelo pai para dar o nome no negócio, do qual só conhecia «generalidades» – é a convicção do Tribunal, que o absolveu da acusação de burla e branqueamento de capitais  formulada pelo  Ministério Público. Hoje com 29 anos, tem outros interesses que não os negócios do pai. Limitou-se a «cumprir o que o pai lhe pediu, sem consciência das implicações», nem «sequer interesse em questionar».

'Medalhas': 4 anos
 

Os 3,5 milhões de euros que Duarte Lima ganhou com o negócio foram dissimulados através das contas em Portugal e no estrangeiro de Francisco Canas (73 anos), condenado a quatro anos de prisão efectiva por branqueamento de capitais. Desconhecia o negócio Homeland, mas sabia que aquele dinheiro tinha origem ilícita. 'Medalhas', figura central da rede de evasão fiscal Monte Branco, lucrou aqui 30 mil euros de comissão. Não colaborou com o tribunal.

Cúmplices

Os advogados João Almeida Paiva (56 anos, na foto) e o irmão Pedro (54) foram condenados por cumplicidade na burla e falsificação. João (representante dos donos dos terrenos) foi condenado  a quatro anos de prisão e Pedro (que foi 'levado' pelo irmão) a dois anos e seis meses, pena suspensa se pagar 50 mil euros ao IPO.  Colaboraram na burla mediante uma comissão de 800 mil euros, com os quais compraram dois carros (declarados perdidos a favor do Estado).

paula.azevedo@sol.pt