‘A ciência está a viver uma crise de crescimento’

Já desvendou mistérios ligados ao bilhete de identidade, abriu perspectivas sobre a geometria da natureza, entre outras aventuras. Em Primos Gémeos, Triângulos Curvos e outras histórias da Matemática, Jorge Buescu volta a dissertar sobre inúmeras questões interessantes ligadas a esta ciência – desde uma ‘infiltração’ no mundo das publicações científicas online, em OpenAccess – até aos…

Um dos textos do livro é sobre a sua 'infiltração' nas editoras científicas de OpenAccess sob pseudónimo, com um texto forjado, que acabaria por poder ser publicado se fosse pago. A ansiedade pela publicação pode matar a ciência?
Matar a ciência creio que não, mas não há dúvidas de que estamos a viver uma crise de crescimento. A publicação electrónica foi uma revolução na comunicação de ciência, só comparável a Gutenberg, e ainda não temos um modelo estável para lidar com ela. O OpenAccess é uma boa ideia, mas encontra-se pervertida e permite toda o género de batotas: desde editoras predadoras que exploram autores ingénuos, a autores desonestos que realizam plágio e até auto-plágio, dos autores – já encontrei o mesmo artigo publicado várias vezes com títulos diferentes! -, neste momento… vale tudo. A publicação científica está numa fronteira do tipo Oeste Selvagem.

Noutro texto disserta sobre o carácter excepcional do ano de 2014 para a matemática. Por que foi um ano para recordar?
2014 ficará para a História da Matemática como o ano em que pela primeira vez foi galardoada uma mulher com a Medalha Fields (o equivalente ao Nobel em Matemática). Mas os últimos anos têm trazido avanços espectaculares: em 2013, na mesma semana, quase vimos cair no mesmo dia (13 de Maio!) duas conjecturas seculares, a de Goldbach e a dos primos gémeos. A forma como isso aconteceu é em si mesma revolucionária. A Matemática nunca esteve tão viva, enérgica e vibrante como hoje! 

Diz também, a certa altura, que a matemática está na moda. Porquê?
Afirmo isso um pouco provocatoriamente. A colecção de 2010 do estilista Issey Miyake teve a colaboração de um grande matemático, Bill Thurston (entretanto desaparecido), e das suas ideias sobre geometrias em 3 dimensões. Mas também em sentido menos literal isso é verdade: vemos, ao longo da última década, surgir filmes de grande impacto, peças de teatro, séries de TV ou romances tendo a Matemática como protagonista central. Creio que começou a haver um empenhamento muito grande dos matemáticos em comunicar a beleza da sua ciência – e a reacção tem sido muito boa.

Outra das notícias dava conta de a Medalha Fields ter sido atribuída pela primeira vez a um lusófono, o brasileiro Artur Ávila. Há portugueses na calha? Quem?
No desporto de altíssima competição é necessário detectar muito cedo o talento fora-de-série, e desenvolvê-lo, trabalhá-lo e treiná-lo com enorme persistência e esforço em locais de elite. É assim que se constroem super-atletas como Cristiano Ronaldo ou Michael Phelps.A Matemática de altíssimo nível é muito semelhante. Em Portugal, por várias razões, só há relativamente pouco tempo se começou a ter esta consciência, e os frutos demoram a crescer. Mas a evolução é positiva.

O conhecimento da matemática tem melhorado em Portugal nos últimos anos?
Sem dúvida: quer no ensino, quer na investigação, quer na divulgação da Matemática, e apesar das vozes reaccionárias que periodicamente se levantam a defender o status quo a evolução nas últimas duas décadas foi globalmente muito positiva – embora estejamos ainda distantes das melhores práticas do mundo. 

Disse também que várias conjecturas e problemas têm sido 'quebrados' nestes últimos anos. A matemática tem limites?
Não. Fazer investigação científica não é tomar um caminho preexistente do ponto A ao ponto B: é construir o próprio caminho. O que acontece é que, nesse processo, encontramos becos sem saída, caminhos alternativos que ficam por explorar, vemos ligações desconhecidas entre factos, formulamos novas conjecturas… por cada resultado matemático que é demonstrado podem ser formuladas dezenas de novas conjecturas. É por isso que a matemática é tão rica e entusiasmante. Não, a matemática nunca vai estar terminada. Tal como a música ou a pintura nunca o estarão.

ricardo.nabais@sol.pt