Para que servem os políticos-comentadores?

Há três tipos de comentadores: os jornalistas (como Miguel Sousa Tavares ou Clara Ferreira Alves), os professores (também chamados pomposamente ‘politólogos’, como António Costa Pinto ou Adelino Maltês) e os políticos na reserva.

Estes últimos são uma originalidade portuguesa, pois não conheço nenhum outro país onde os políticos que deixaram funções (ou até no exercício de funções, como António Costa, que acumulou a presidência da CML com a Quadratura do Círculo) tenham invadido os estúdios das televisões – fazendo lembrar os treinadores de futebol que, quando estão desempregados, são contratados como comentadores pela SportTv).

“Se não és bom a fazer o que fazes, vai para crítico” – é a máxima seguida.

E a verdade é que alguns políticos que não conseguiram impor-se completamente na política conseguem ter sucesso na televisão (donde se conclui que comentar é mesmo mais fácil).

Em Portugal pululam, pois, os políticos- comentadores, entre os quais figuram muitos ex-ministros e até ex-primeiros-ministros.

Ao sabor da memória recordo Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Morais Sarmento, José Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Augusto Santos Silva, Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho, Teixeira dos Santos, Miguel Beleza, Braga de Macedo, Pina Moura: todos eles são (ou foram) comentadores regulares, ou têm (ou tiveram) espaços próprios de opinião nas televisões. 

Esta prática não é saudável nem transparente, pois os políticos-comentadores, mesmo que estejam na reserva, têm a sua própria agenda.

Os seus comentários nunca são desinteressados nem inocentes.

Vejam-se as farpas que Santana Lopes atira a Marcelo Rebelo de Sousa e vice-versa. Quando um ou outro falam das presidenciais, por exemplo, sabem que eles próprios são pré-candidatos ao cargo e fazem o seu jogo. 

Vejam-se também as indirectas de Marcelo e Santana a Durão Barroso – que esteve igualmente nesse filme. E até Marques Mendes tem interesses na questão. 

Pense-se ainda na campanha que Sócrates fez no seu espaço de comentário na RTP 1 pela subida de António Costa à liderança do PS (que significava também o regresso dos seus muchachos à primeira fila do partido). Ou nas críticas ressabiadas que Manuela Ferreira Leite faz a Pedro Passos Coelho.

Os comentários destes homens e mulheres são tudo menos desinteressados.

Fingem que estão a fazer uma análise desapaixonada e objectiva – e até podem fazer um esforço sério nesse sentido -, mas no fundo estão a dar recados que só alguns percebem, ou a fazer uma catarse pessoal, ou a promover a sua própria imagem. 

Por isso, pelo menos relativamente a alguns, em vez de serem as televisões a pagar-lhes deveriam ser eles a pagar às televisões – pois os seus espaços são tempos de antena, veículos de valorização pessoal e política, oportunidades para ajustes de contas.

Na fase aguda da crise, os políticos-comentadores poderiam ter tido um papel importantíssimo no esclarecimento da opinião pública. 

O país viveu dias terríveis, chegou a haver um clima pré-insurreccional, organizavam-se manifestações quase todos os dias, viam-se multidões permanentemente nas ruas, o primeiro-ministro, os ministros e o próprio Presidente da República eram apupados por populares em fúria, tivemos ameaças de desobediência civil e confrontos entre polícias à porta da casa da democracia – o Parlamento. 

Existia o perigo de a situação degenerar a qualquer momento.

Ora, nestes tempos loucos, os comentadores – até pela sua experiência e influência – podiam ter dito: “Calma lá, a austeridade é necessária, não adianta gritar contra ela, vamos passar dificuldades mas não havia outro caminho”. Podiam ter tentado fazer um pouco de pedagogia. Mas não fizeram. Quase todos deram uma no cravo e outra na ferradura, como quem diz: “Não me comprometam!”. 

Por essa altura, só me lembro de uma voz se ter levantado com grande coragem: a de D. José Policarpo, o anterior cardeal-patriarca de Lisboa. Num dia de grandes movimentações de massas, afirmou que as manifestações não resolviam nenhum problema, não conduziam a parte nenhuma, e que o país tinha mesmo de poupar. Mas pagou por isso: muita gente (mesmo na Igreja) caiu-lhe em cima, procurando destruir-lhe a imagem.

Poderá dizer-se que os políticos-comentadores limitaram-se na altura a dizer o que pensavam – e estavam no seu pleníssimo direito. A minha opinião é outra: eles não quiseram remar contra a maré, porque tinham medo que a defesa da austeridade lhes afectasse a popularidade e as audiências. É impossível que não tenham ouvido as opiniões de economistas tão diferentes como José Silva Lopes (antigo ministro das Finanças de Mário Soares), Teodora Cardoso, Vítor Bento, Eduardo Catroga, Campos e Cunha, Daniel Bessa, Miguel Beleza, Braga de Macedo, o próprio Teixeira dos Santos. Nenhum economista independente, da direita à esquerda, defendeu na época que era possível Portugal escapar à austeridade. 

Nessa altura, repito, os políticos-comentadores poderiam ter tido um papel importante de esclarecimento. Poderiam ser pedagógicos nos seus espaços semanais. Mas preferiram sempre pôr o seu interesse pessoal à frente dos interesses do país – mesmo quando este esteve à beira de ficar à deriva e afundar-se numa crise política de consequências dramáticas.

Pergunto: para que servem então os políticos-comentadores? De que vale a sua experiência? 

jas@sol.pt