Os galos casamenteiros

Quem passa pelo Largo Carlos Amarante, no centro histórico de Braga, é normal deparar com pessoas de nariz no ar, paradas, a olhar para a fachada barroca da igreja de Santa Cruz. 

É que, segundo reza a lenda, existem três galos em alto-relevo escondidos no intrincado dos desenhos com que a pedra foi esculpida – e que a moça casadoira que os identificar tem casamento assegurado para breve… Mas se dois desses galos são fáceis de encontrar, já o terceiro é um quebra-cabeças para o descobrir! 
A igreja de Santa Cruz é considerada o primeiro grande marco do chamado barroco bracarense e uma das suas mais elevadas expressões, por conciliar o período final do maneirismo com o barroco nascente, fazendo-a precursora do estilo que viria a ser desenvolvido por André Soares. 
A sua edificação até principiou mal. O corpo da igreja foi construído na primeira metade do século XVII, no final do domínio filipino; mas quando as torres sineiras foram erguidas, em 1694, já esse edificado ameaçava ruína. De tal modo que, nos anos 30 do século seguinte, todo o corpo da igreja, com excepção da fachada, foi demolido e reconstruído. 
Data também dessa época o final dos trabalhos de decoração da frontaria, só dados por terminados em 1737. 
Esta desenvolve-se em dois pórticos justapostos, sendo que o do piso térreo, constituído por quatro colunas dóricas, enquadra as três portas de entrada e sustenta uma cimalha horizontal, onde estão esculpidos os treze instrumentos da paixão de Cristo – e, em cada extremo, um dos galos da lenda. 
Sobre esta arquitrave ergue-se o segundo pórtico, formado por quatro pilastras jónicas, e os seus três vãos profusamente decorados exibem, um, a santa cruz, e os outros, a ladeá-la, uma palmeira e uma laranjeira. 
No cimo do frontão está a esfera armilar com a coroa real e as armas de Portugal; e a rematar, prolongando-lhe o sentido ascensional, um conjunto de três esculturas. 

Mas se esta fachada uniformemente cinzenta, de pedra prodigamente esculpida em altos-relevos, causa estranheza e chama a atenção pela sua originalidade, é no interior que a Igreja de Santa Cruz guarda as suas maiores riquezas. 
Pelo menos, era o que o meu avô paterno – que era um apurado esteta – não se cansava de me dizer, de cada vez que as nossas conversas discorriam sobre arte: «Tens de ver é a talha da igreja de Santa Cruz! Tem um trabalho admirável de frei José Vilaça…». E, de facto, quer os altares das seis capelas laterais, com as deslumbrantes talhas de Francisco Machado, quer o coro, com escultura de António Marques, são dignas do melhor que alguma vez se fez em talha dourada. 
Mas é o estilo rococó do retábulo da capela-mor e do sanefão do arco-cruzeiro, da autoria desse frei José Vilaça, que marca o visitante pelo talento imaginativo que arvoram. É definitivamente um trabalho excepcional! 
Entretanto, ainda mais difícil do que achar o terceiro galo da fachada, custa a perceber como é que uma obra destas não se encontra classificada nem com uma simples distinção de 'interesse público'…