O consolo da filosofia

No vasto espólio da cultura popular há um dito particularmente certeiro: «Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz».  

Um exemplo clássico deste fosso entre as palavras e os actos é o do filósofo suíço do século XVIII Jean-Jacques Rousseau. Apesar de ter escrito uma obra fundamental da história da pedagogia, que marcou sucessivas gerações de educadores, Rousseau não se coibiu de entregar os seus filhos a um orfanato. Defendeu-se dizendo que o fez para bem das crianças, pois teria sido um péssimo pai…

Mas gostaria de me focar em dois casos portugueses. Manuel Maria Carrilho impôs-se na política e na sociedade graças à aura de filósofo. Há dois anos a sua obra completa foi publicada em dois volumes de uma espessura impressionante, dedicados à sua mulher de então e com um título ambicioso: Pensar o Mundo. Carrilho cita Kant, Deleuze, Sartre, Heidegger, Habermas, etc. e num dos textos acusa a imprensa portuguesa de falta de ideias. Tudo levaria a crer que só os mais elevados valores lhe interessam.

Mas a história, como sabemos, é bem diferente: o filósofo divorciou-se e foi para a imprensa cor-de-rosa fazer revelações sórdidas sobre a sua vida conjugal. Proporcionou um espectáculo pouco dignificante, que contrasta com o palavreado pomposo que encontramos nos seus livros.

O segundo caso que quero referir é o de José Sócrates. Estudou filosofia política em Paris e, chegado à prisão, pediu que lhe levassem livros de filosofia. Mas o seu estilo de vida e gostos caros apontam para uma personalidade mais propensa aos prazeres materiais do que aos altos voos do espírito.

Quando estava preso a aguardar a execução, Boécio, um filósofo italiano que viveu há 1.500 anos, escreveu De Consolatione Philosophiae, Do Consolo pela Filosofia. Naquela obra, que se tornaria um best-seller da Idade Média, Boécio explica quanto a filosofia o apaziguou e como lhe permitiu continuar a perseguir a felicidade no cativeiro.

Já Sócrates e Carrilho revelaram que a filosofia era apenas um adorno que exibiam para se engrandecerem aos olhos do mundo. Quando lhes caiu a máscara, um difamou a ex-mulher nas revistas e o outro escreveu uma carta rancorosa ameaçando tudo e todos. No divórcio ou na prisão, de pouco lhes valeu o consolo da filosofia. 

jose.c.saraiva@sol.pt