A gata da Mariquinhas

Ao contrário do que sucede com a maioria das mulheres de 29 anos que têm gatos como companheiros de vida, Tabatha Bundesen não só já não trabalha horas infinitas num restaurante enquanto sonha com a hora de saída para ir ter com o seu, como tem uma vida, digamos, ‘desafogada’, emancipando-se da triste sina proletária…

Mas já lá vamos.

Dizer 'mulher solteira com gato', no intervalo dos 25 aos 35 anos, é para muitos o mesmo que dizer 'mulher encalhada e infantilóide, que vive num mundo de fantasia que é mais ou menos a Terra do Nunca', mas que, como é mulher, fica mal e é pouco compreensível. Um preconceito, portanto.

Quantas imagens de mulheres bonitas, jovens e saudáveis, com bom gosto e boas profissões, estamos nós fartinhos de ver tipificadas em tantas ficções, enfiadas no universo indie do sótão da avó, enroladas em mantinhas de patchwork enquanto bebem chás quentinhos e estrafegam gatinhos queridos? Que professam o negativismo como filosofia de vida invertida, em versões galopantes que antevêem um futuro na pele de um Dr. House feminino? Quantas vezes se sentenciou a frio que estes são retratos muito fiéis de mulheres que vivem a frustração de não encontrar um parceiro ou parceira e que o gatinho serve precisamente para projectar e domesticar a ansiedade dessa impossibilidade? Que o amor que não se chega a ter por um outro ser humano vai todo direitinho para o gatinho? Quantas vezes se hiperboliza o gatinho e metaforiza uma vida inteira? E quantas vezes se quer mostrar que os gatinhos são queridos e fofinhos, mas também independentes e matreiros, que têm demasiada personalidade, são territoriais até mais não e que – já agora – são o motivo pelo qual as meninas que os têm continuam a ser muito infantilóides e solteiras? Há um clipe muito divertido, de 2011, da BBC Comedy, chamado 'Single White Feline', disponível no YouTube, que seria um óptimo complemento a esta leitura.

Tenho demasiadas amigas solteiras com gatinhos que não sentem nada do que está acima descrito e que já foram acusadas de tudo isso e muito mais por todo o tipo de gente de todos os quadrantes. Dessas amigas, quase todas já me disseram que, na maioria das vezes, a solidão é uma escolha e a casa com os seus animais de estimação é muito mais agradável na periclitante vida adulta longe de companheiros e companheiras que nem sempre quiseram crescer, do que outra escolha qualquer que possa projectar para o exterior uma imagem de felicidade postiça. Em última instância, os gatinhos são um amor honesto, simples e recíproco. Espaçoso, curto e eficaz. O único compromisso? A ração e a caixinha da areia, guardada nas casas de banho estilo 'Casa da Mariquinhas'.

Compreendo tudo, apesar de não ser de gatos.

No entanto, existe uma linda história de sucesso relacionada com gatinhos e meninas solteiras que une agora as pontas que parecem estar soltas neste artigo: Tardar Sauce, aka Grumpy Cat, a gatinha da protagonista do primeiro parágrafo, acaba de dar uma estalada de luva branca a todos os que chutam para canto as meninas dos gatinhos.

Um dia, enquanto estava no trabalho (que não era de sonho), o irmão de Tabatha tirou uma fotografia à gata, cuja expressão é invariavelmente 'de trombas', pô-la no Reedit e nasceu uma das figuras mitológicas do nosso tempo, 'Grumpy Cat'. As particularidades desta gata fizeram dela uma das mais utilizadas em 'memes' e uma celebridade em sites como o BuzzFeed, o Huffington Post ou o 9Gag, muito populares entre nerds e geeks. A procura pela sua gata foi tal que Tabatha acabou por pedir uma licença sem vencimento para dar vazão a tanto pedido. Vive agora exclusivamente das receitas da fama da sua gata, agenciada, e com uma agenda mais preenchida do que a de Beyoncé.

Este é o final feliz de uma história do nosso tempo, muito estranho e pouco preenchido por histórias de sucesso, uma espécie de Gata Borralheira em que o príncipe encantado é substituído pela figura mais pretendida e único sinónimo de sucesso da pós-contemporaneidade, o dinheiro: Tabatha, a empregada de mesa dona da gatinha mais famosa da internet, já facturou mais de cem milhões de dólares com o focinho naturalmente triste de Tardar Sauce e vive agora com uma conta bancária fantástica, com a qual será feliz para sempre.

trashedia.com