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“Quem é que paga a crise?” – uma pergunta que já ouvimos e lemos vezes sem conta, para a qual se insiste que não há respostas concretas. 

Dependendo do contexto, é uma pergunta que tem tanto de demagógica, como de retórica, como de colérica, e que fica sempre sem uma resposta satisfatória para quem a coloca, independentemente do contexto. Como não se diz que é ‘mentira’, e por educação se diz que ‘não é verdade’, ora bem não é verdade que esta pergunta não tem resposta. Se satisfaz ou não, isso deixa-se ao critério do leitor!

A crise tem sido paga por quem trabalha e recebe o suficiente para, mesmo depois dos cortes, dos duodécimos e de todas as solidariedades e simpatias para com o Governo, esticar ainda mais o seu ordenado, muito porque a sua vida está mais ou menos ordenada em termos de despesas, dívidas ao banco, a financeiras e outros credores. Quem paga a crise é então o contribuinte. 

Mas quem é O contribuinte? 

A população activa que se encaixa na denominação ‘O Contribuinte’ são as pessoas que trabalham e têm contratos e vencimentos que correspondem vagamente ao valor real do seu trabalho. Essas pessoas que trabalham são quem sustenta isto tudo, são os pais dos freelancers, dos alunos de mestrados e doutoramentos que, no fundo, empatam o tempo e protelam as tomadas de decisões sérias, prolongando assim a adolescência até aos trinta e muitos, muito por causa da precariedade e da falta de fundo de maneio, ambas consequências da crise. 

Por isso, e porque pagar a crise é o mal menor, se pensarmos no que a crise nos está a fazer enquanto povo, gostaria de sugerir uma medida para incluir no Orçamento de Estado para 2015. Um benefício fiscal para quem paga verdadeiramente a crise no seu dia-a-dia. Como quando se fazem contribuições para as IPSS. 

Uma vez que quem tem pago a crise dos jovens que ainda não emigraram são os seus pais, em contribuições sob a forma de envelopes fora do tempo regulamentar, transferências bancárias surpresa, mantimentos e avios de supermercado, qual Banco Alimentar Contra a Fome, ofertas de ferramentas de trabalho, pagamentos secretos de propinas, dívidas à Segurança Social e às Finanças, por exemplo, sugiro também que os filhos possam começar a passar facturas ou recibos aos seus mecenas. 

Pode parecer uma ideia tola e estúpida (a mim também me pareceu, quando a tive), mas depois comecei a pensar um pouco mais e chego à conclusão que afinal não é assim tão tola ou tão estúpida. 

Senão pensemos com carinho nos ordenados dos pais: depois de massacrados pelas dívidas inesperadas que não lhes pertencem, continuam tão ginasticados como a Nadia Comaneci. Não fosse a generosidade dos pais, estaríamos ainda mais metidos numa alhada. 

Uma vez que o ‘nós’ a que aqui me refiro é mais ou menos um país inteiro, acho que dar ao contribuinte (ou deveria dizer à ‘base de sustentação’?) a oportunidade de justificar os seus gastos extra com os filhos e os seus desaires involuntários, só ficava bem. Sugiro então que se arranje uma forma qualquer de justificar os gastos dos pais com os filhos em apuros. Para que os empréstimos a fundo perdido possam finalmente ser encarados como um investimento no futuro, por exemplo.

Ironias à parte, lembrei-me disto há uns dias, após uma generosíssima oferta dos meus pais, que não chegaram a pedir factura em seu nome porque não poderiam incluí-la nas suas despesas e o Audi a mim também não me iria dar jeito nenhum, já que só se constituiria como mais uma despesa impossível de justificar para os meus pais… Se pudessem, e isto talvez como medida extraordinária até a nuvem negra passar (que é o que nos andam a prometer há que tempos…!), incluir certas despesas no seu IRS numa secção dedicada a DDC. (Despesas Derivadas da Crise), tudo se tornaria mais justo para todos. E se os jovens no activo com rendimentos ridículos pudessem declarar toda a caridade de que dependem, também seria vantajoso, pois entre tantas outras coisas seria possível traçar um retrato fiscal mais apurado dos jovens no activo, cujos rendimentos não correspondem à realidade das suas capacidades. Para fins de satisfação global, agora que estamos nesta época de solidariedade postiça, acho que alguém deveria sugerir isto mesmo a sério.

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