Escolas sem acordo à vista

O acordo entre autarquias e Governo para a transferência de competências na área da Educação está longe de ser alcançado. Apesar de o ministro-adjunto Poiares Maduro ter dito há dias que nas próximas semanas haverá condições para fechar a negociação com cerca de 10 câmaras-piloto, os autarcas ouvidos pelo SOL consideram que há ainda questões…

Escolas sem acordo à vista

«É preciso que haja ainda uma evolução muito positiva por parte do Governo», afirmou ao SOL Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais, que está na linha da frente deste processo e que tem defendido também o alargamento das competências do poder local na área da Saúde e da Segurança Social. O autarca recusa uma «transferência pura e dura de competências», como propõe o contrato apresentado pelo Governo aos municípios, e defende a criação de um período de co-gestão. Assim, explica, durante três anos haveria uma plataforma comum em que cada interveniente – autarquia, Governo e escolas – manteria as suas competências, mas todos trabalhariam à mesma mesa. Numa fase posterior, seriam delegadas competências no poder local.

Conselhos municipais de Educação com mais poderes
No financiamento, também não há consenso. Carlos Carreiras diz que os técnicos da Câmara de Cascais estão a fazer o levantamento dos valores necessários para assegurar a gestão dos 11 agrupamentos de escolas do concelho e a analisar a proposta do Governo: «A percepção que temos é que está muito abaixo da realidade».

Em Matosinhos, outro dos cerca de 20 municípios que estão em conversações com o Governo para avançarem como projectos-piloto, «o processo ainda está muito no início» – reconheceu o vereador com o pelouro da Educação. Correia Pinto disse ao SOL que, apesar de a autarquia concordar, na generalidade, com o anteprojecto de decreto-lei conhecido há dias, as questões levantadas pela Câmara ainda não foram resolvidas. 

Uma das propostas do município socialista é o reforço dos poderes do Conselho Municipal de Educação (CME), um órgão consultivo de que os municípios dispõem e que, apesar de ter representantes de escolas, pais e comunidade, não tem funcionado bem. «Queremos reconfigurar este órgão, as suas competências, a sua composição e modelo de funcionamento. O objectivo é poder integrar nele todos os directores de escola e criar uma estrutura operacional que actualmente não existe», afirmou Correia Pinto, lembrando, contudo, que isso implica uma alteração legislativa. 

Também a Câmara de Óbidos propôs ao Governo o reforço de poderes do CME, pois recusa que a descentralização do Ministério da Educação se faça directamente no executivo camarário. O presidente da Câmara, Humberto Marques, diz que «a maior questão que se levanta no momento é a da governação, mas pode ficar sanada se o Governo aceitar as alterações ao CME».

Autarcas contra incentivos para cortar nos professores
O Governo já veio garantir que a selecção e o recrutamento dos professores vai manter-se no Ministério da Educação e não passará para as câmaras. Mas os sindicatos afirmam que não é isso que consta da proposta de contrato feito aos municípios. Na segunda-feira, a Fenprof entregou ao primeiro-ministro um abaixo-assinado com mais de 20 mil assinaturas, onde é criticada a municipalização da Educação.

Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, explicou ao SOL: «Ao permitir que as autarquias definam as componentes curriculares locais, que poderão valer 25% do currículo nacional, o Governo quer que a selecção e o recrutamento dos docentes para esta vertente seja feita pelas câmaras». Isto, acrescenta, implicaria que se recorresse à contratação externa e que os professores do quadro perdessem horas lectivas e ficassem com horários zero.

Outra proposta apresentada pelo Governo passa pelo apoio financeiro aos municípios que consigam reduzir o pessoal docente. Na prática, o Ministério da Educação define quantos professores cada escola precisa e aumenta o financiamento às que consigam reduzir o efectivo. Os três autarcas ouvidos pelo SOL recusam esta cláusula que, segundo o vereador de Matosinhos, «parte da ideia de que as escolas têm professores a mais e isso é falso». Correia Pinto diz que, no caso de Matosinhos, o diagnóstico das necessidades de professores feito pelos serviços do Ministério – e que sustenta esta fórmula de financiamento – tem «erros grosseiros». 

Professores contra perda
da componente pedagógica

Além da questão laboral, os professores estão preocupados com a hipótese de a componente pedagógica passar a ser uma competência autárquica. «Não faz sentido nenhum. A gestão curricular deve estar no Ministério da Educação, pois as câmaras não têm vocação nem capacidade para fazer isto», afirmou ao SOL Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, criticando «a falta de debate» e a forma como esta reforma está a ser preparada. 

O representante dos directores escolares diz que os professores estão «com muitas reservas» e acredita que «alguns directores ainda nem sabem muito bem no que se estão a meter».

delino Calado, director do agrupamento de escolas de Carcavelos, no concelho de Cascais, vê com bons olhos a centralização numa estrutura concelhia de todas as questões relacionadas com pessoal não docente, alimentação, transportes, compras ou manutenção dos equipamentos. «É uma forma de poupar dinheiro e trabalho e de as escolas poderem dedicar-se mais à componente pedagógica, que é o nosso core business», afirmou ao SOL. O professor alerta, contudo, para a dimensão deste tarefa: «Para a câmara, isto passa por gerir mais 15 milhões de euros por ano. Neste momento, os serviços de educação não têm capacidade para isto».

O director de Carcavelos diz que no concelho de Cascais já há uma articulação forte entre escola e município, bem como entre os directores, que reúnem mensalmente. Nos últimos anos, a comunidade educativa também esteve envolvida num estudo realizado pela Universidade Católica que propôs um modelo de transferência de competências ao Governo – uma proposta que foi recusada.

rita.carvalho@sol.pt