2014

Sendo a última crónica do Ano Velho, é natural dedicá-la ao que de mais significativo se passou em 2014.

1. O sismo que atingiu o crony capitalism nacional. O GES representava em Portugal o epítome de um estado de coisas em que o sucesso nos negócios dependia de uma complexa teia de relações (formais e informais) entre empresários privados, públicos e o governo ou seus agentes. Olhado politicamente, o processo movido ao engenheiro José Sócrates constituiu, qualquer que seja o seu fim, uma réplica poderosa do abalo inicial.  Se puderem contribuir para  o enfraquecimento definitivo do 'capitalismo antiliberal', representarão uma reforma estrutural mais importante do que todas as promovidas pela troika.

2. O fim do programa de ajustamento. Foi uma importante vitória para o Governo, que teve o mérito não enfiar a cabeça na areia fugindo da austeridade e de, assim, ter levado a economia de volta ao financiamento internacional em condições de mercado.  Mas o sucesso na frente financeira, onde o BCE também prestou uma  ajuda preciosa, foi claramente mais notório do que o conseguido no domínio das reformas estruturais. É nesta discrepância que radicam as reticências pós-troika das instância europeias e o desconforto de quantos se interrogam sobre quão diferente estará o país depois do programa de ajustamento.

3.O pesadelo japonês. A Área do Euro mergulha paulatina mas ao que tudo indica inexoravelmente no seu pesadelo japonês – anos e anos de deflação e recessão. Apesar dos esforços e alertas de Mario Draghi para o impedir, é clara que a Europa está muito mais desarmada do que o Japão estava, pois não possui os instrumentos de intervenção de um governo económico unitário, em particular um orçamento integrado  e consenso político em torno da política monetária. A estagnação vai abrir brechas na União. Uma crise larvar prolongada será, ainda, um caldo de cultura para o florescimento de pulsões nacionalista que tentarão por em causa a livre circulação de pessoas na União Europeia.

4. Uma espécie de terceira guerra mundial. O Papa Francisco descreveu a actual situação internacional como uma espécie de terceira guerra mundial, "combatida por partes, com crimes, massacres e destruições". A partilha da Ucrânia parece adiada, em boa parte pelo colapso do petróleo e o enfraquecimento decorrente da beligerância grã-russa. O Estado Islâmico, e o islamismo radical em geral, prometem  um guerra que terá fases agudas mas será certamente crónica por muitos anos: na Palestina sempre, e agora, na Síria, Iraque, sem falar no frágil Afeganistão.  Esta tensão prolongada acabará por abrir brechas nos bastidões do estado de direito na região, Israel e a Turquia (que está cada vez mais 'longe'). Poderá mesmo impactar o delicado equilíbrio entre  a Índia e o Paquistão.