Figuras do presépio

Quando era miúdo, um dos momentos marcantes do cíclico tempo infantil era fazer o presépio.

Primeiro ia-se ao musgo, à serra, onde se cortavam os pequenos tapetes vegetais que iriam criar o espaço cénico. Depois arranjava-se um canto lá de casa, sempre o mesmo, junto à marquise da sala, onde se iriam colocar as caixas velhas que serviriam para fazer os diferentes volumes. Tudo isso era depois coberto com folhas de jornal, sobre as quais se assentava então o musgo, a criar a ilusão de um lugar campestre, com desníveis diferenciados, uns mais abruptos, outros mais suaves. 

Para a gruta, colocava-se de lado uma pequena caixa aberta, com as superfícies todas forradas a musgo, e com serrim marcavam-se os caminhos que aí chegavam, a serpentear por entre as verdejantes serranias. Os riachos que desciam pelas montanhas e atravessavam os campos eram construídos com celofane. 

Finalmente abria-se a mala onde, embrulhadas individualmente em papel de jornal, estavam guardadas desde o ano anterior as pequenas peças de barro do presépio: pastores, ovelhas, músicos, mulheres do povo, poços, casas, moinhos, pontes, os reis magos, a vaca, o burrinho, o S. José, a Nossa Senhora, o Menino, a manjedoura… e estas eram então colocadas nos devidos sítios! 

Era a parte mais divertida – quando a fantasia de uma Palestina verde e montanhosa começava a ganhar forma, com os seus habitantes replicando a população minhota, e os edifícios a parecerem-se com os dos lugares rurais do Minho. 

É que essas figuras, difundidas em meados do século passado por todo o país – a ponto de quase perderem a referência da sua origem -, são típicas do artesanato de Barcelos. Foi aí, nas suas olarias artesanais, que nos anos 40 foram criados estes bonecos simples e ingénuos, que com a beleza infantil do seu colorido conquistaram rapidamente os lares portugueses e hoje são uma referência na memória do Natal. 

Eram exactamente as mesmas figuras que eu via no presépio do meu avô, em Lisboa, quando calhava irmos lá passar as festas. Embora o dele não tivesse musgo – pois o solo era construído com papel rugoso verde, daquele que serve para criar os cenários dos comboios miniatura -, as figurinhas e o casario eram exactamente os mesmos, os do artesanato de Barcelos. 

E era assim em todo o lado onde houvesse um presépio: lá estavam as peças barcelenses a dar vida e ambiência minhota à narrativa bíblica. 

E hoje, quando já quase não se fazem presépios familiares maiores do que a estrita Sagrada Família – e essas alegres peças de barro caíram em desuso (embora ainda se possam encontrar nas típicas feiras do Minho, nomeadamente na de Barcelos) -, há um recrudescimento do interesse por essas figurinhas. 

Sobretudo pelos músicos, com os seus uniformes azuis e os diversos instrumentos nas mãos: uma espécie de banda do Sargento Pimenta em versão plebeia. Agora são considerados exemplares genuínos da criatividade e da cultura populares. E ainda bem, porque são peças fascinantes.